terça-feira, 21 de dezembro de 2010

TX

Já vinha pensando neste post há tempos, mas como nunca achei que os casos isolados rendessem boas histórias, hoje resolvi fazer um apanhado. Não serão todas, serão algumas, senão fica cansativo. Talvez vire uma série no blog, talvez não. Enfim.
Eu atrair gente estranha é um fato irrefutável, ouk. Mas o que as pessoas talvez não saibam é que o meu imã pra gente estranha é tão, mas tão forte, que atrai até carros. De uns anos pra cá, a medida que meu salário foi dando uma melhorada, descobri a maravilha que é o mundo dos táxis. Como não nasci com a parte do cérebro responsável por aprender a dirigir, foi a solução para uma série de problemas como atrasos, dias chuvosos e madrugadas boladonas. O lance é que eu sempre dou pé frio com taxista. Quer dizer, meu imã faz com que eles venham até mim, parem, brotem nas ruas, lotem o ponto aqui perto de casa. Nunca consigo pegar um taxista normal. Normal, desses que ficam quietos durante o trajeto e, no máximo, falam do clima e esses papos de elevador. Não. Taxista, comigo, tem que ou não bater muito bem, ou estar trabalhado nos psicotrópicos.

Causo 1 - O da Mulher-Taxista
Já não é muito comum uma mulher dirigindo táxi, mas aí, claro, a minha não poderia parar por aí. Era quase 2h, saía de uma festinha no apartamento de uns amigos que haviam recém se mudado para a cidade-baixa. Caminhei até a frente do Opinião e peguei o táxi ali na esquina. Tenho o costume de sentar do lado do motorista, dificilmente sento atrás. Sei lá, acho mais prático. Entrei, sentei, afivelei o cinto, "oi, boa noite". "Oi, amada! Vamos pra onde?". Dei as coordenadas, disse por onde achava melhor que ela fosse, e seguimos viagem. Ela estava desligando o celular quando entrei no carro, aí não perdeu a chance de me contar que falava com a filha mais velha, que só dava incomodação, que queria levar gente para a casa dela e ela não queria zueira de madrugada na casa enquanto estivesse fora trabalhando e tudo mais. "Ahã, pois é", me limitei. Contou mais algumas coisas da vida, dos filhos, do trânsito, apenas concordei. Chegamos no portão do meu prédio, a rua deserta, as luzes apagadas. Enquanto pegava o dinheiro na carteira, ela rapidamente soltou "Eu me chamo Isabel, e tu, qual o teu nome?". "Silvia", respondi. "Silvia?! Então peraí que eu tenho uma coisa pra ti...". Virou para o lado e começou a mexer numa bolsa preta que estava entre a perna dela e a porta. "MEUDEUS, ESSA MULHER VAI ME MATAR!", pensei, tentando puxar o pino da porta automática. O pino não subia, começou a me bater um pavor, eu conseguia ver ela puxando uma arma ou uma faca daquela bolsa, "uma coisa pra ti"! Só pode ser a morte! E eu, justo eu, que pensava em tantas maneiras bacanas e dramáticas de morrer, ia morrer ali naquele táxi! Não! Nããããooooo! "Ó". Ela me estendeu um chaveiro. Eu estava evidentemente apavorada, meio que defendi o rosto com as mãos, aí vi aquele chaveiro na mão dela. "Quê!?". Peguei o chaveiro. Era um daqueles de quadradinhos de metal empilhados, com letrinhas. Estava escrito "Silvia", em letras coloridas. "Eu ganhei esse chaveiro há um tempo e sempre carrego na bolsa, sabia que um dia ia dar carona para uma Silvia", disse, sorrindo. Eu comecei a rir, a rir de nervosa. "Sééério?", eu disse, rindo muito. Agradeci, passei a mão na perna pra conferir se eu não havia me mijado, paguei e ela ainda me deu um cartão, "porque nós mulheres temos que nos cuidar nessas madrugadas, né? só ligar, sempre trabalho nesse horário!". Nunca liguei, mas tenho o chaveiro até hoje. E ah, posso falar que ter visto a vida em flashes não foi tão interessante assim como dizem por aí.

Causo 2 - O do fã de Britney Spears
Esse aconteceu ontem, voltando do Barra. Fui no cinema com uma amiga e, na saída, como já estava meio tarde e o shopping é relativamente perto de casa, me dei ao luxo de pegar um táxi. Entrei, era um cara normal, de seus trinta anos. Expliquei o caminho, seguimos viagem. Não pude deixar de notar que, no rádio, estava rolando "Womanizer" a milhão. Wo-womanizer, you're a wo-womanizer, baby! you, you-you aaare, you, you-you aaare. Não soube bem se era o movimento do carro ou se era o cara, mas ele se mexia bastante naquele banco. Quando na sequência engatou um "Circus", boa travesti que sou, me dei conta: não era rádio, era um CD. Aliás, era o próprio Circus, que ficou evidente com "Out From Under". Estávamos quase chegando quando esbocei um sorriso com aquele taxista, que de pintosa não tinha nada, ouvindo Circus lindamente no carro. Ele percebeu, e disparou "Eu gosto muito da Britney, não sei como tem gente que não gosta! Numa corrida já pediram pra eu tirar, acredita? Tu gosta, né? Mulher sempre gosta!". Meu gaydar não apitou, e meu gaydar raramente falha. Quis pedir o cartão, mas fiquei com vergonha, faltou a oportunidade. Imagine só, um hétero, taxista e fã de Britney. Tá aí algo que não se vê todo dia...

Causo 3 - O Marcello Mastroianni
Esse é clássico. Já peguei táxi com ele umas 5 vezes, é do ponto ali na frente da Ritter. Sempre, repito, sempre que vou pegar táxi, ele está com um saco desses pardos, cheio de coxinhas de galinha fritas. Ele não fala, ele só mastiga. Concorda, discorda e cobra. É bizarro. Chamo ele, na minha cabeça, claro, de Marcello Mastroianni, porque sempre que o vejo com aquelas coxinhas e aquele leve tom de desespero, lembro de A Comilança, do Ferreri. E Marcello Mastroianni é o único nome de ator que lembro. Na terceira vez, nem precisei mais indicar o caminho, ele já sabia onde eu morava, o que dá um certo medo. O volante e a marcha são brilhantes de tanta gordura, e o fato de estar dirigindo não o impede de continuar mandando as coxinhas. Por incrível que pareça, não é tão gordo quanto deveria ser. Esses dias fui pegar táxi com outro e ele estava ali no ponto, era o de trás. Vi que mexia em algo no painel, e identifiquei um GPS. Pobre GPS.

sábado, 9 de outubro de 2010

.dst

Eis então que, com o lançamento da nova linha de produtos da firma onde trabalho, seria necessário um avental com a logotipia do bule, para que o demonstrador do funcionamento do artefato vestisse. É uma suma bem grande que envolve alguns segredos industriais, mas como não sou muito chegada nessa parada de segredinho, é um lance que, enfim, passa café. Ia precisar de um magrão usando um avental que tivesse bordado, em dourado, o logotipo da linha. Claro, por que não?, me incubiram de tal tarefa. "Silvia, vai no centro, compra um avental preto e leva-o pra ser bordado, bota aí num pendrive a arte e vai chamando o táxi do convênio enquanto eu pego os endereços dos locais aqui, tá?" Tá. Dar uma banda no centro em pleno horário de trabalho? Meu trampo, seulindo.
Adorava a época em que eu trabalhava no centro. Os prédios, as pessoas, a pressa, o vuco-vuco todo. Adoro o centro de Porto Alegre, me sinto em casa. Fui despacito, com o cigarrinho queimando devagar, até a tal galeria onde poderia fazer o bordado do avental recém comprado. Entrei, a loja era pequenininha, haviam duas senhoras carolas operando máquinas eletrônicas de bordar, o antigo e o atual convivendo em harmonia em uns 4x6m. "Oi, bom dia!", disse eu, sempre com essa péssima mania de ser muito simpática com estranhos. Me olharam de cima a baixo, olharam as roupas, a maquiagem de amy winehouse e o alargador de dois dígitos. Começamos mal.
- Bom dia, no que posso te ajudar?
- Então, eu preciso bordar uma arte nesse avental preto.
- Tem ela aí?
- Sim, aqui no pendrive.
Aí começou uma breve sessão de substituir enter por clics e descer o cursor sem usar o scroll, mas beleza. Ela abriu a arte, que estava em .eps, e olhou bem feio.
- Tá, e é a primeira vez que tu vais fazer essa arte?
- É.
- Eu preciso dela em pontos de bordado.
- Oi?
- Pontos de bordado.
Tudo bem que não entendo nada de bordado, e me orgulho deveras disso, mas de extensões de arquivo eu entendo. O arquivo estava em vetor, se é possível imprimir algo do tamanho da via láctea sem perder a resolução, então deveria haver alguma maneira de exportar o arquivo para uma extensão que a tal máquina de bordar lesse. Tentei traduzir isso em palavras para a senhora.
- Sim, mas ela está em vetor. A máquina lê quais extensões?
- Pontos de bordado.
- Sim, isso eu entendi, mas qual é o nome dessa extensão? Talvez o programa exporte para ela, se a senhora me dissesse o nome, eu poderia ver s...
- Pontos de bordado.
Senti uma veia saltar no pescoço. "Calma, Silvia. Não tem porquê".
- Ok, e como faço para exportar para essa extensão?
- Como faz para fazer isso virar pontos de bordado?- Isso.
- Tem uma mulher em Sapucaia que faz. Ela leva dois dias e cobra vinte reais.
- Ah, ouk (wait... what?). E tem como eu falar com ela agora?
Nesse instante rolou um momento de tensão. Acredito que a senhora carola tenha achado que, em algum acorde de minha voz, faltei com respeito. Duvidei de suas palavras. Cuspi em seu ofício.
- Tem, mocinha (!). Vou ligar pra ela e tu mesma falas então, e ela tira tuas dúvidas.
Gelei. Mas enfim, se a mulher essa de Sapucaia trabalha com a arte de converter arquivos, total leiga ela não seria. Mero engano meu.
- Alô, Katchússia (sem zueira, juro)? Tem uma guria aqui na loja que não entende de arte final querendo falar contigo, explica pra ela como são os pontos de bordado.
"Não entende de arte final". Respirei fundo pela boca. Soltei pelo nariz. É, eu estou já na terceira cadeira de produção gráfica na faculdade, isso soma um freaking ano e meio estudando sobre arte final, e a senhora que tem uma lojinha de bordado no centro vem dizer que eu NÃO ENTENDO DE ARTE FINAL.
- Alô, Katchússia?
- AARÔ??
Ai, meldels. Força.
- Oi, então, me chamo Silvia, queria saber qual a extensão de arquivo que a máquina lê, se não tem como eu mesma exportar aqui.
- É PONTOS DE BORDADO.
Segurei muito, mas muito, um "AH VÁ! É mêrmo? Cê jura?!".
- Sim, isso eu já entendi, mas queria saber qual o nome da extensão, pra eu ver se não tem no programa.
- É DST!
- Quê?- DST!
- Tipo... Sério? D-S-T?
- É! DST!
Fucking kidding me. Minha cabeça pensou "DST é o que tu tem, sua vadia, me diz logo como eu posso fazer pra esta merda de máquina ler esta porra deste arquivo e pára de gritar nesta pica mole deste telefone, antes que eu me esqueça", mas minha voz filtrou um:
- Ah. Ouk.
Desliguei. Entreguei o telefone pra senhora carola, peguei o avental preto de cima do balcão e saí sem falar nada. Eu precisaria daquilo para o dia seguinte, por mais que mandasse a arte para que a sapucaiense transformasse-a em uma doença sexualmente transmissível, de nada me adiantaria, tendo em vista que ela só faria aquilo em um prazo de dois dias. Fora que se eu abrisse a boca para dizer algo à senhora carola, não seria "tchau, obrigada", seria "LEIGA É TU! EU TE ODEIO!". Na verdade, qualquer lugar onde as pessoas te tratam mal não é um lugar onde devas voltar.
No fim das contas, acabei conseguindo um local onde não apenas fariam no dia, como me explicaram que é necessária a confecção de uma matriz para a máquina ler, e que essa matriz, de fato, possui a extensão .dst. Não souberam me explicar o que .dst significa, mas como a máquina possui um número de fontes tipográficas e o que eu queria bordar era um logotipo, era necessária a matriz, para que não houvesse alteração de fonte e a logotipia não se descaracterizasse. Eles mesmos fariam a matriz ali, com o arquivo em .eps, sem que este tivesse que viajar até Sapucaia. Moral da história: não desmereça o conhecimento de um designer, você vai sair perdendo dinheiro.

domingo, 5 de setembro de 2010

O Pecado (e os sapos) Mora ao Lado

Estava há tempos para escrever sobre, mas só agora resolvi sentar e compor a narrativa devido a uma "sinfonia motivacional", e não há nada de metafórico nisso. Senta que lá vem a história.
O prédio onde moro é pequeno, poucos apartamentos. Estamos cercados de casas, o que faz com que todos os nossos vizinhos dos arredores sejam, hã, bem, casas. De um lado do prédio, há uma casa cujo a fachada é um castelo, com direito a pé direito alto e "torrezinhas" nas laterais. Nos fundos, poodles, piscina térmica e janelas sempre fechadas, como se ninguém morasse full time ali. Há rumores envolvendo rancores familiares e suicídio. Esses são os vizinhos normais. Do outro lado do prédio, os meus favoritos: O Casal de Uruguaios. Sim, merecem capitulares.
Não há ainda confirmação de que o Casal de Uruguaios seja, de fato, uruguaio, mas aqui em casa criamos a teoria com base no sotaque. O Casal ouve, e canta, muito Buena Vista Social Club e Manu Chao, o que não nos ajuda nas referências, mas enfim. Ambos devem ter em torno de, no mínimo, 50 anos. Têm cachorros no pátio e uma bela casinha nessa pacata rua. Quase nada do que os vi fazendo nesses 7 anos morando aqui seria considerado "normal". Mas também, quem sou eu para dizer alguma coisa.
Logo que nos mudamos, ouvíamos-os discutindo em espanhol, mas como nossos vizinhos de porta são melhores em termos de brigas (certa vez, quebraram um quadro aqui de casa só com um fechar brusco de porta. porta deles. quadro aqui de casa. reflitam.), não dávamos muita bola. Começamos a notá-los mais quando, já há alguns anos, resolveram transformar sua piscina em uma espécie de lago artificial. Plantas de vários tipos boiando, sapos coachando, musgo nas beiras, tenho a impressão de já ter visto carpas laranjas em meio a água turva e uma nuvem de mosquitos da dengue fazendo uma pool party. E, claro, eles freaking nadando naquilo.
Acredito que sejam artistas plásticos, com ênfase em fazer vitrais. Me explico: no pátio da frente dá para ver, entre as trepadeiras do portão, um anjo de vidro com umas esculturas ao redor. No pátio dos fundos, onde tem a piscina, mais esculturas de vidro e, bem aos fundos, uma espécie de atelier. A parte de trás do atelier é toda envidraçada e dá vista direta para o meu quarto. Ambos no mesmo andar, bem próximos, e na diagonal. Nem a minha janela, muito menos a deles, é pequena, o que dá um tom de privacidade zero para a brincadeira. Atelier, esculturas de vidro e piscinão de Ramos? Artistas plásticos, com ênfase em fazer vitrais.
Nessas de ter a piscina e várias plantas e coisa e talz, eles passam boa parte do tempo no jardim, dando uma nadadinha, trocando palavras em espanhol, fazendo obras que envolvam vidro e regando plantas. Pelados. Foi bem engraçada a reação horrorizada da moça que trabalha aqui em casa, durante seu primeiro dia. "Dona L.! Dona L.! Os vizinhos! Tão pelados no pátio!". Ela evitou a área de serviço, que dá vista para o pátio deles, o quanto pôde. Nossa reação inicial também não foi muito receptiva, mas agora tá tudo tranquilo, tudo em casa. Isso é o de menos.
Não é sempre que estão no Atelier, e também não é sempre que estou no meu quarto, principalmente durante o dia. Nessa linha de raciocínio, um dia vim em casa no horário de almoço e eles transavam loucamente na frente da janela do atelier. Rapidamente saí do quarto, parecia até que era na minha cama. A história ainda se repetiu algumas vezes, hoje em dia até abano e faço um "joinha". Já os encontramos em um restaurante vegetariano, e minha mãe não os reconheceu; cumprimentou de volta com estranheza, retornou a nossa mesa e, após eu dizer que eram os vizinhos, limitou-se a "ah, é! não reconheci vestidos".
Agora, em meados de primavera, os dias vão ficando mais coloridos e quentes, as janelas ficam mais abertas e o clima parece mais receptivo. O Casal de Uruguaios costuma fazer luais em volta da piscina, com violão, parentes e/ou amigos que os visitam. As rãs, as pererecas e os sapos fazem sinfonias até de madrugada em algumas noites, principalmente nas que antecedem chuva, tirando meu sono e me dando vontade de escrever. Os Uruguaios cantam seu Buena Vista Social Club e seu Manu Chao em um tom alcoólicamente bonito. No fundo, a verdade é que eu os invejo. A verdade é que eu quero envelhecer assim também.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

uma certa angústia

aqueles quentes finais de dia em garopaba, jogando taco no quintal da casa do miguel. aquela semana vertiginosa em buenos aires, em um começo de semestre qualquer, conhecendo exatamente quem eu mais queria conhecer. aqueles pedalinhos da beira do guaíba, para rir e pedalar a orla toda. aquelas noites no atelier, sem ainda muitas perspectivas, mas com muita vontade. as manhãs na rua torta da santa terezinha, quando a vida era mais tranquila e os amigos antigos, mais presentes. aquelas tardes gostosas no siriu, onde os mosquitos não perdoam, o bandolim chora e o tempo não passa. os momentos ímpares de santiago, a cidade dos contrastes. os poucos anos em brasília, que pouco recordo mas muito sinto. respirar o ar e amanhecer no bom fim, fosse com quem fosse. as caminhadas intermináveis com os guris, entre as praias secretas dos bicuíras. a ciclovia do marinha, que guarda apenas para si tudo o que aconteceu lá. o cais do porto, que também é cúmplice. aqueles dias em curitiba, onde já não distinguia mais o final de um e o começo de outro, onde tudo era perfeito e embalado apenas pelo momento. aquele menino que conheci no último dia do evento. a bienal dentro dos containers. as tardes de dúvidas, descobertas e filmes experimentais, com as pessoas certas, fosse no bar do alberto, fosse no nosso bar. aquele almoço na praça da alfândega, com bigode e taça de champagne. a fumaça do cigarro que parece ter uma silhueta especial quando tragada no odeon. os dias bagunçados de xangrilá, varando madrugadas em tubos de concreto. o dia onde, logo pela manhã, tudo perdeu sua importância e o caminho da rotina foi desviado para a rodoviária, por puro impulso, saudades e amor. o trampo no décimo oitavo andar do centro, com um ponto de vista distante, distante. os primeiros meses após a compra do apartamento na henrique dias. aqueles dias, naquele momento muito especial, quando deixamos de ser irmãs para virarmos amigas, rindo na praça cagancha. aquela noite, depois do teatro, sentados no monumento da praça marechal deodoro. as conversas das tardes de redenção, com infinitas companhias, mas sempre com mate. a vida parece ir se compondo aos poucos, da maneira que dá.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

sr. passageiro: o aceitamos.

umas letras a menos podem fazer a andança de lotação mais.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Diários de Marlboro Light

Eis então que, levando a sério minhas resoluções, resolvi parar de fumar para virar uma velha linda da pele de pêssego e do aroma de flores do campo. Tal qual aquele que está consciente de possuir uma doença terminal, comprei meu último maço sabendo que seria o último. No começo foi divertido, foi normal. Aos poucos, reparei uma folga na caixinha. Quando cabia o isqueiro, os cigarros e ainda sobrava espaço, bateu um pequeno pânico. Hoje, amanheci com dois remanescentes. O Bic azul petróleo parecia me perguntar “e agora?”. E agora? Agora inicia-se a nova jornada, intitulada “Diários de Marlboro Light”, com o subtítulo “do fumo ao fuuuuu...!”.
A manhã foi tranquila, apesar de eu ter sapateado bastante enquanto esperava o ônibus. A vontade veio, e trouxe reforços, na hora do almoço. Almocei com M., no Barra. Tranquilo. Voltando do Barra para a firma, 13h02, chega o momento do penúltimo cigarro. Abri a caixinha, ele me olhou tristonho. O clima era de tristeza no Bic também, cujo o fogo veio falhado. Acendi, dei aquela tragada deliciosa e parei um pouquinho. Ouk, penúltimo. Vou guardar o último para a noite e, a partir de amanhã, vamos ver o que se faz. Vinha andando pela “peatonal”, no estacionamento de trás, ou seja, pouquíssimas pessoas em um raio de alguns quilômetros. Caminhei devagar, lembrei do sonho que tive a noite. Muito bom, por sinal. A brisa batia devagarzinho, fluindo junto com a fumaça. Eu fumo no ritmo em que eu penso.
Traguei mais uma vez, agora se aproximava da metade já, e, no momento de dar o peteleco a fim de se livrar da cinza, o cigarro foi ao chão. Metade do cigarro ainda, sem contar com o filtro. O penúltimo cigarro da minha vida foi, quase inteiro, ao chão. Minha válvula de escape já há alguns anos, agora em seu fim, de encontro à brita. Nos últimos dias tenho previsto como serão os próximos, e não serão bonitos. Enquanto o cigarro caía, eu via no futuro a angústia, o pavor, o horror, o terror, o pânico, os povos em batalhas intermináveis pela talassocracia nas limitadas faixas de terra, mortes no arquipélago, desesperados atravessando o mar Egeu ao lado de seus últimos familiares. Ele caiu em câmera lenta. Como se houvesse um tsunami surgindo entre os altos prédios do Cristal e dependesse de mim, do meu grito, salvar a vida dos transeuntes desavisados que ainda não haviam percebido o que estava por vir, implodi e acabou escapando, em alto e bom tom, “NÃÃÃÃOOOOoooooo!”. Catei o cigarro, soprei, fumei e olhei ao redor. Fazer fotos com analógica nos dá uma noção melhor de distância em metros, em aproximadamente três metros a minha frente se encontrava um senhor de seus 40 anos, cabelo dividido ao meio, terno, gravata, pasta de executivo e um sorriso, uma cara de surpreso. Eu devo ter gritado alto. Me admiro não ter dado um peixinho no chão para salvar o cigarro. O homem estava parado, me olhou fundo, ainda surpreso, e riu. Eu comecei a rir junto. Se aproximou, deu um tapinha amistoso no meu ombro e seguiu, com sua vibe businesseman, rindo. Eu segui meu caminho, rindo também. Rindo da situação. Rindo de desespero.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ALONTRA



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Enchendo o tanque e humilhando


Porque não basta encher o tanque do carro. Tem que humilhar.
(and Shanae Grimes knows exactly what i'm saying).

segunda-feira, 24 de maio de 2010

THE QUICK BROWN FOX JUMPS OVER THE LAZY DOG


Quando Gutenberg deu início a possibilidade de imprimir um livro tipográfico, lá pelo século XV, com seus tipos feitos de chumbo, antimônio e estanho, o conhecimento disponível à humanidade dava um largo passo. A chance de um livro não depender mais da falta de pressa dos escribas abria um caminho à disseminação do saber, fosse este qual fosse, que evolui até hoje nas wikipédias da vida. Porém com o tempo e com uma maquinaria mais sofisticada, os tipos móveis foram caíndo em desuso. Fábricas e fábricas foram fechando, deixando seus tipos para colecionadores e afins. Hoje, no Brasil, acredito eu, apenas a Gráfica Fidalga ainda está na ativa. O que é uma pena. A impressão em tipos móveis é barata, não polui (ouk, se pegarmos na raiz das coisas, polui bem menos), elegante e diferente de tudo o que se vê por aí. É ímpar, é único. Cada cartaz possui um traço característico só seu, embora todos possuam a mesma impressão. E é exatamente neste lamento que eu incentivo a todos e todas que façamos uma retomada deste austero e rudimentar sistema de impressão. Façamos tipos móveis! Abramos, cada um, uma Gráfica de Tipos Móveis em sua própria casa! Dominemos o mundo com tinta tipográfica e papel jornal!... Não? Só eu? Ouk, enfim. Para quem interessar, segue abaixo um passo-a-passo bem simples de como podemos fazer tipos móveis de uma maneira prática e barata.

O que precisa:

- Goivas (o conjunto com seis está à venda na Koralle (José Bonifácio, 95) por R$29)
- Borrachas (os tipos que eu apresento aqui foram feitos com borracha, mas podem ser feitos também com madeira ou linólio)
- Fósforos
- Estilete
- Nanquim (recomendo, para quem estiver mais legal de grana do que eu, comprar Tinta Tipográfica, um ponte de 1L de tinta preta sai em torno de 30 reais e dura uma eternidade)
- Papel Vegetal
- Lápis (4B ou 6B, de preferência)
- Pincel Pequeno

Então. Escolha uma fonte tipográfica de sua preferência e reserve. No caso aqui, eu usei um borrachão da mercur, mas recomendo uma borracha que não esfarele, o tipo fica talhado mais precisamente em uma dessas. Com o borrachão da mercur dá para fazer 4 tipos: corte ela ao meio na vertical e depois divida cada parte em duas fatias. É nessa hora que entra o estilete e os fósforos: esquente o estilete e corte a borracha, assim, o corte fica mais liso. É bem importante também que as fatias sejam cortadas na mesma altura para que, na hora de fazer a composição dos tipos lado-a-lado, os tipos saiam impressos corretamente. O espacejamento entre letras é feito a partir do corte lateral da borracha. Recomendo que o kerning seja a última coisa a ser feita.


No caso do borrachão da mercur, se cortado da forma que eu descrevi acima, teremos 4 fatias de borracha, cada uma com a superfície de 35x50mm. Com esta medida, faça no computador retângulos e coloque a fonte tipográfica de sua escolha dentro deles. Eu usei a Frutiger LT Std 45 Light, com 104pts. Imprima o PDF (não esqueça de marcar a opção de tamanho original na hora de imprimir, sempre se perde uns 5mm em "adaptar para a folha"). Com os tipos impressos, corte um pedaço de papel vegetal e desenhe por cima, na parte fosca, contornando a letra. É bacana também desenhar as arestas do retângulo, para que, na hora de colocar em cima da borracha, a letra fique bem centralizada.
Pressione o lado desenhado em cima da borracha. Pode usar o cabo do lápis para fazer pressão. Lembrando que no exemplo eu usei as letras "A" e "D", que funcionam de qualquer lado (no caso do "D", é só virar horizontalmente), mas se a letra feita for um "S", espelhe-a na hora de imprimir do computador, porque quando ela for impressa pelo tipo móvel no papel, ficará virada.

Agora, como já diria meu avô sobre seus bichinhos talhados em madeira, tudo o que não for porco ou cavalo vai fora: tudo o que não for a letra, deve ser talhado. Recomendo as goivas "C" e "V" pequenas para talhar, são mais precisas nos detalhes. Para talhar curvas, melhor a goiva "C". Se o tipo for de hastes retas, como o "A" do exemplo, utilize a goiva "V" pequena e o contorne, levando a goiva sempre até o fim. Assim, as chances de o tipo saírem bem retinho são maiores.

Beleza, temos o tipo já. Agora, vamos para a tinta. Quem for rico milionário e usar tinta tipográfica, é o seguinte: use bem pouca, coloque numa superfície lisa (de preferência um metal ou uma pedra) e tenha em mãos um rolo de plástico, desses mais macios. Amacie bem a tinta com o rolo, não deixe formar montinhos. Como a tinta é dura, força no braço, meu amigo! Agora se você estiver bem capenga que nem eu, pegue seu nanquim que venceu em 2009 e bote em uma base, espalhe-o bem com um pincel para que não acumule tinta.
Pressione o tipo móvel contra a tinta espalhada. Tchãrãn, aí está. Agora, coloque-o sobre uma base lisa e pegue o suporte onde será feita a impressão. Recomendo papel jornal, é muito barato e é o que melhor absorve. Pressione o papel jornal sobre o tipo, pode usar uma borracha e fazer um "sanduíche" para auxiliar na pressão.


Puxe o papel e, rufem os tambores, está feita a impressão! Com os tipos lado-a-lado, fica mais fácil de calcular um kerning bacana. Eu faço o kerning de olho, mas se alguém for pilhado o suficiente de dividir a altura do A por 35, recomendo que o faça na hora de imprimir do computador mesmo.

O tipo de borracha pode durar umas 100 impressões para mais, não sei ao certo. Talvez dure 1000, talvez não. Nenhum meu chegou ao seu prazo de validade ainda. Porém, claro, os de madeira e linólio duram mais, sendo a única questão é que a madeira é mais difícil de talhar e o linólio é mais difícil de conseguir e moldar. Se alguém tiver alguma dúvida ou uma sugestão, só me mandar um emeio: silpont@hotmail.com.
Bueno, that's all, folks.

domingo, 23 de maio de 2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

fale ao motorista somente o indispensável

Eis que dia desses matinei para pegar o C2 com a L., rumo a visita a uma cartonagem. A cartonagem até é fio para outra meada, mas esse pequeno ato de pegar o ônibus já me levantou algumas observações. O Circular 2, a.k.a C2, é, assim como os outros circulares, um ônibus diferente dos demais, um pouco menorzinho e mais aconchegante. O trajeto do C2, tal qual o do T2A, é um mistério para mim. Tenho a teoria de que o motorista não sabe com precisão para onde está indo, a trajetória não passa de um grande caminho aleatório onde as pessoas dão sorte de encontrá-lo passando por alguma rua e torcem para que ele as leve ao local desejado, porque não é possível decorar aquele caminho sinuoso.
Mas então, estávamos lá nós quatro, eu e L., L. e eu, esperando o C2. Ao ancorar perto da calçada, algumas pessoas subiram antes. Não pude deixar de notar o high-five trocado entre a moça que estava na minha frente e o motorista. High-five. Com o motorista. Pensei ouk, ela deve pegar esse ônibus todos os dias no mesmo horário e eventualmente tricota com o seu motora. Get a life, dude. Porém qual não foi a minha surpresa quando, ao chegar minha vez de direcionar-me à roleta, o motorista me levanta seus 5 dedos, sorri e me tece uma expressão amigável. Nem hesitei em chocar minha mão aberta contra a dele, com um quê animado, e acredito ter deixado escapar um "high-fiiive!" baixinho, porém digno de muita empolgação. Na roleta, outra coisa não passou batido: os "bom dia". Todos cumprimentávam-se, começava no cobrador e ia até onde a pessoa sentasse. "Bom dia", sorriso.
Logo que sentei mais ao fundo do ônibus, com meu leve mal humor matinal costumeiro, achei aquilo bem estranho e bobo. Ao longo das paradas, passei a juntar algumas coisas: como é um ônibus de menor frequência, as pessoas que precisam pegá-lo no mesmo horário tendem a encontrar-se todos os dias. E não tem muita margem para desencontros, uma vez que os horários são rígidos e espaçados entre si. Há algo mais civilizado do que cumprimentarmos quem vemos todos os dias? Até o dia começa melhor, recebendo e dando sorrisos educados e de bom tom. Shiny happy people. É uma atitude bacana, gentil e bemcomida. E é isso o que mais falta nas pessoas hoje em dia. Tom Waits mesmo tuitou há pouco tempo que "if there's one thing you can say about mankind, there's nothing kind about man". Triste verdade, quanto mais avançamos globalmente, mais regredimos humanitariamente. O individualismo atropela qualquer possível atitude altruísta, e um high-five com o cobrador e sorridentes "bom dia" no C2 podem ser um pensamento romântico do século XVIII de retomada da elegância já desgastada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

"i'm left now chasing an octopus that just stole my camera... WTF!"

Sempre defendi lulas e polvos. Em discussões, claro. Não que hajam muitas discussões sobre lulas e polvos ao meu redor, mas como eu não me envolvo em pescarias de grande porte, ou em expedições de pesquisa pelo oceano, faço o que está ao meu alcance. Era a pré-adolescente estranha que escrevia "lula gigante" com corações no caderno. Desenhei algumas também, desenvolvi técnicas e adaptações de desenhos para esses seres curvilíneos. Então, resolvi postar uma espécie de fundamentação teórica para me justificar.
Moluscos são seres incríveis. Tão incríveis a ponto de dispensarem qualquer desses pormenores, como uma espinha dorsal ou uma parede celular, para serem incríveis. Polvos são bacanas, não têm esqueleto, têm oito braços, e podem identificar cores. Quem melhor define um polvo, para mim, é o Mutarelli: "Alguém me disse que antigamente o nanquim era extraído do polvo. Me parece, que o polvo desprendia sua tinta quando sentia-se ameaçado. Creio que quando desenhe eu devolva ao nanquim sua função primitiva. Eu sou como o polvo" (MUTARELLI, 1998). Por favor, um ser que perceba cores e libere tinta, é um ser artístico.
Mas ouk, passemos para um molusco mais interessante: a Lula-Colossal. Trovoadas. A lula-colossal e a lula gigante distanciam-se por pequenos detalhes além do nome. Aliás, pequenos detalhes vinculados ao nome. A colossal tem uma cabeça maior, tem o olho maior e é mais comprida. Não libera "tinta", pois possui dois tentáculos compridos com garras de pontas afiadas, especiais para caça, afinal, tinta é coisa para mocinhas. Uma dessas pode ter em torno de uns 20 metros de comprimento. A gigante não passa muito de 13.
Agora o que é mais incrível nesses seres é que não se sabe muito deles. Há uma série de palpites e pesquisas feitos com suas larvas ou até mesmo com algumas lulas encontradas mortas, mas fora isso, não se sabe muita coisa. Elas vivem cerca de 1000 a 2000m de profundidade, o que dificulta o processo. Eu quero dizer, existem avançadas pesquisas com a tecnologia dos nanotubos de carbono e não se sabe muito sobre uma lula. As colossais só foram descobertas agora, em 1925 (ouk, nem tão agora, mas enfim, dependendo do ponto de vista, é recente), quando capturaram uma cachalote (arquiinimiga das lulas gigantes/colossais) e encontraram tentáculos compridos demais dentro dela. A maior lula colossal capturada viva só foi pega em 2007 por pescadores neozelandeses. E ela só tinha 4,5m. Sacaneou.
Seres incríveis, que se movimentam com maestria e elegância, não se deixam capturar, fazem questão que o Discovery Channel reprise as únicas poucas filmagens que possuem delas e têm altas tretas com baleias (não farei piadas com trutas, conforme se espera). Tem como não adorá-las? Ouk, tem, mas enfim. Geniais.

sábado, 24 de abril de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

my vampire weekend

it's not right... but it's now or never.
and if i wait, could i ever forgive myself?
on a night... when the moon glows yellow in the riptide,
with the light from the TV's buzzing in the house.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

vou sentir falta do nosso gato

E então, eis que termina-se. Um costume se quebra. Tudo o que era ótimo passa a ser ruim. Amargo. E é de repente. Parece que nada do tudo que aconteceu anteriormente vale alguma coisa. Não vale nada. E o gosto das próprias lágrimas é ruim, é salgado demais. E aquele aperto forte, para não fazer barulho. Aquele choro contido. Aquele respiro fundo, aquele trancar de respiração. Passa. Mas depois volta. Volta ao longo do dia. As pálpebras amanhecem inchadas. Nada disso é arrependimento. Isso é o costume que não será mais costume. A falta da companhia, a falta de alguém que sempre esteve lá, seja para o que for, nem que seja para tirar com uma pinça a farpa que entrou no dedo, na estante de madeira da locadora. Algo tão importante, mas que já não era mais. E dói. Machuca. Parece que não vai passar, embora tu saibas que vai. Parece que ninguém vai te apreciar e te amar como foi, mas a vida ainda é comprida demais. Ninguém mais vai ser confiável o bastante para se entregar de tal forma. Lembrar das coisas ruins, e não das boas, para o sofrimento se justificar. Embora seja complicado. É como arrancar uma parte da gente, sem exageros. Quando sempre se tem algo, nem pensamos na falta que isso poderá nos fazer. Nos distraimos com amenidades, parece que está tudo bem. Mas aí acorda-se de repente, no meio da noite, com uma lembrança, ou com algo que nem foi. Mas os dois estão lá. Estavam. E nem se pode confortar um ao outro, pois são a pior companhia no momento. O redor angustia, as horas parecem não passar, enquanto o que se quer é que as semanas passem logo de uma vez para que finalmente o que passe nem sejam as semanas, mas essa sensação, essa sensaçao ruim, dura. Dura demais. Dura tempo, dura.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

très fatigué

Sabe, ando vivendo uma crise ultimamente. Não sei o que eu quero. Também não sei exatamente o que eu não quero. Ando angustiada com a minha vida, com as pessoas, com os continentes, com as luzes, com as ruas, com o fuso horário, aí que eu fui lá e descobri que tem um site que estima o número de pessoas no mundo, e aquele número simplesmente não pára! Me deixa bastante nervosa. Hoje peguei o T2A e vi uma boa parte da cidade pela qual nunca transitei. Inquietude. Se mal conheço minha cidade, imagine só todo o resto do planeta. O mundo nos impõe uma limitação muito grande ao sermos destinados a nascer em um lugar específico. As pessoas que conhecemos, as coisas que temos, o trabalho que fazemos, aquilo que gostamos, é tudo influenciado por este meio, este meio que nos foi imposto. Temos que administrar o pensamento de que HÁ TANTA COISA que nunca saberemos da existencia em uma só vida. Temos poucos anos para fazer COISA DEMAIS. E isso tudo me deixa que nem gato em dia de passar aspirador de pó na casa.
Pessoas geniais que nunca vamos conhecer, um apartamento perfeito que jamais teremos, o trampo dos sonhos, onde trabalhar nem dá trabalho, será um prazer meramente utópico, experiências ímpares que não viveremos, noites iluminadas em cidades incríveis que jamais saberemos da existência... sempre fui tão conformista, agora ando tão inconformada. Tão confusa. Tão a fim de largar tudo e ir embora. Se eu suicidasse agora, esses seriam trechos editados nos jornais, com uma nota embaixo "Silvia já dava indícios em seu blog". Mas não, não é esse o teor. Não é um teor triste, inconformado e chato com a vida, é um teor de "MELDELS, o que eu faço parada aqui, na frente dessa tela? Corra, Silvia, Corra". Tão pouco tempo, tanto a se fazer... e essa vidinha mais enrolada do que matambre.
Chega de post chatonildo por hoje. E chega de caps lock também.

domingo, 14 de março de 2010

tumblr








quarta-feira, 10 de março de 2010

Funcionária do Mês

Eis que hoje, passado um certo período, eu resolvi sentar e escrever sobre a demissão. Mas ao invés de escrever algo rancoroso, conforme eu tanto planejei nestas tardes de desemprego que passei no Odeon, bebendo um vinho, fumando um cigarro, ouvindo um jazz e amaldiçoando baixinho o dia em que o estúpido e prepotente curso de Publicidade e Propaganda nasceu, eu achei melhor descrever o período em si. Até porque escrever linhas rancorosas seria coisa de mal-comida, e tá aí algo que eu não sou. Já fui em alguns momentos dessa vida, poucos, acrescento, mas não que isso venha ao caso. Então. Vamos aos fatos.
Segundo os psicólogos segundo o site caretaker (fico amarradona nessa falta de referências. minhas e do site), há sete fases do sofrimento, e essas sete fases são superadas em simples sete passos que, se bem compreendidos, facilitam a passagem pelo rito todo. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que era apenas trocar "ente" por "trampo" e a coisa toda funcionaria como mágica. São as sete fases: o choque, a negação, a culpa, o medo/insegurança, a raiva/fúria, depressão e, por fim, a aceitação. Abaixo, seguem as definições do site e a evolução do meu sofrimento de acordo com cada uma.

O choque é uma forma de mecanismo psicológico que protege uma pessoa. Quando uma pessoa está em choque, ela funciona normalmente durante algum tempo, até que a realidade venha, na medida em que estabelece que um trampo querido já não existe mais.

É, logo que me disseram, eu ainda fiz a gracinha de colocar no photoshop uma foto minha bêbada em uma moldura dourada escrito logo abaixo "Funcionária do Mês", e espalhar pela agência. Pisei fora do local, entrei no Odeon e, além de "um vinho", eu só consegui falar "fui demitida", catatonicamente, pelos próximos 40 minutos. Não que o Seu Odeon se importe e não que os garis da praça da Alfândega se importem, mas era só o que eu articulava no momento.

Negação [...] é a fase em que uma pessoa não vai aceitar que um trampo querido já se foi. Esta é uma sensação natural.

De fato. Eu ainda atendia o telefone aqui de casa com "Verdeperto, bom dia" e abria e fechava os softwares, procurando sabe-se lá o quê, como quem abre a geladeira e não sabe do que tem fome.

Culpa é um processo normal durante o luto, porque uma pessoa automaticamente pensa que ela não fez o suficiente ou poderia ter feito as coisas de forma diferente para evitar a morte de um trampo querido.

Lembrei da época do Fórum Social Mundial, em que eu tanto bati o pé em relação à área de respiro que deveria haver no Boletim FSM, enquanto minha chefe insistia que aquele "espacinho em branco ainda dava pra botar foto". Ou ainda de como eu fui querida com a freelancer que fez um trabalho porquíssimo nas Programações, ao trocar fontes, cores e tamanhos sem preocupar-se com padrões. Não comentei nada do erro com ninguém, para não causar desavenças. Hoje em dia, ela está ocupando o meu lugar. Como eu sou ingênua.

Depois vem o medo, onde a pessoa começa a sentir-se insegura porcausa da situação em que se encontra. É mais evidente em crianças, pois a maioria dos adultos acaba não mostrando essa fase de tristeza para o mundo exterior.

É (pausa para a colherada no Sucrilhos), não mostro mêrmo. Sou curíntia e toco terror, tenho medo de nada não.

Sentir raiva ou fúria é parte normal do luto. Muitos psicólogos (muitos quem?) consideram que esta fase é uma das mais importantes etapas do processo de luto, uma vez que ajuda a passar para a pessoa mais próxima a aceitação da morte do trampo amado. Esta raiva é normalmente direcionada para as pessoas em volta e não para o falecido.

É... xinguei bastante. Xinguei publicitários, xinguei administradores, joguei encostos, espalhei maldades, botei os filho dos outro nas maconha e essas coisa caótica. Mas aí me dei conta de que eu sou fina e, repito, esse lance de xingar por aí e ser grossa à toa é bem coisa de mal-comida. Que feio.

Depressão é algo que todas as pessoas que estão sofrendo vão percorrer. Elas se sentem como se não valesse a pena viver e quaisquer sintomas de depressão não devem ser tomados de ânimo leve. Nesta fase, uma pessoa pode sofrer de insônia, falta de apetite e não tem concentração.

"Eu vou pra outro planeta e viro líder do seu povo", diz magrão do Avatar. "Eu vou pra uma ilha misteriosa e viro líder do seu povo", diz Locke. "Eu tenho um blog", diz Luciana da novela. "Eu também", digo eu, "tenho um blog", acrescento. ;/

A última fase do luto, a aceitação, é quando uma pessoa finalmente aprende a lidar com a morte de um trampo querido. Esta é a fase em que a pessoa finalmente admite que a perda é uma forma permanente e quando uma pessoa chega a essa fase, começa o processo de cicatrização.

Ô galera, então, quem souber de uma parada aí, só prender o grito, viu. Não se acanhem. Meu emeio é silpont arroba hotmail ou gmail ponto com, só avisar aí que estamos aceitando. Faço concertos ruidosos de gaita (tô aprendendo a oitavada), faço frete, carreto, carreteiro, enfim. Mando currículos também e enquanto não postar, é porque estou fazendo um portifólio que não seja que nem a minha cara. Pô, eu podia estar roubando, matando. Ajuda eu, ajuda eu, rápido, senta nos brinquedos!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

(L) M.

à tarde, em algum lugar do centro

- Ai, M., mas eu odeio aquela guria, sabe... não gosto mesmo.
- Eu também não.
- Não? Por que?
- Por tabela.
_____________

3h47, quinta-feira

- Oi amiga!
- Hmmm
- Tava dormindo?
- Roouurara...
- Só queria dizer que eu te amo!
- Eu te amo também, M., vai dormir.
_____________

22h40, parada do 195/TV

- Fica fria, Silvia, fica fria que eu já dei pra esse motorista. Não comenta nada.
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19h, no shopping. Havíamos marcado para às 17h30

- Alô, amiga? Em uns dez minutinhos eu chego aí, NEM SABE o que me aconteceu! Beijo pra quem é travesti! tu tu tu tu tu tu tu tu
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Tem como não querer ter por perto uma pessoa dessas pelo resto da vida? É como se fosse eu, mas melhor.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

you can't always get what you want

Certas coisas seriam tão mais legais se fossem do jeito que eu queria que estas fossem...


P.S.: O cão aparece como mera metáfora photoshopada da vida.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Duas Lembranças Latentes de Infância que Eu Provavelmente Não Deveria Estar Contando, mas Como Queimar Filme é Comigo Mesma, Vamos Lá

1. Eu tinha um coleguinha que veio de São Paulo, o Gian. O Gian falava engraçado, falava FUTEBOL, enquanto nós, gaúchos malandrinhos cheios de marra, falávamos "bah, um futibas e pá". O Gian tinha vários irmãos, todos com a letra G: a Giulia, o Giovani, o Gabriel, enfim. Não lembro em que série o Gian entrou, mas nós éramos novinhos. Ou eu prefiro que tenha sido assim. Eis então que lá pelo fim da primeira quinzena de abril, todos da escola foram convocados para cantar errôneamente seu Hino Nacional, na quadra esportiva principal (a única quadra). Lá estávamos todos, separados em filas por altura e sexo. Eu, claro, sempre a última da fileira das meninas por ser a mais alta. Sabe aquela criança nãrds que espichou tão rapidamente a ponto de o coração não ter adaptado o bombeamento de sangue até o cérebro ainda? Pois é. Começa o hino. Tararãrãn, tarararãn rãn tararãrãããn nããã! Eu furtivamente reparo no coleguinha Gian, aquele menininho que veio sabe-se lá de onde e fala um português meio estranho. Ainda não o conhecia muito bem, mas qual não foi a minha surpresa quando ele logo engatou, em uma oitava acima dos demais, um "Ouviram do Ipiranga as margens plááácidas", com um tom respeitoso no rosto. Comentei com o coleguinha da fileira de meninos ao lado: "Nossa, ele mal chegou e já decorou!". Em minha defesa, o coleguinha, alto com pouco sangue no cérebro também, comentou "Pois é, que coisa!". Breves noções de geografia, com Silvinha Pont.

2. Essa é muito pior, mas né, se eu não rir de mim mesma, quem vai? Admiro a minha eloquência. Meus pais são muito amigos de um ex-casal, uma francesa e um brasileiro. Eles separaram-se, mas tiveram uma filha, aproximadamente da mesma idade que eu. A menina, L., foi morar na França com a mãe e, eventualmente, vinha ao Brasil visitar o pai. Sempre que ela vinha, nós íamos em algum parquinho, comer um sorvete, ver um filme, enfim. O bonito da nossa relação é que nós nos conhecemos desde pequenas e só viemos a entender o que uma falava recentemente. Meu francês é chulo, o português dela é ótimo, mas nem sempre foi assim. Há pouco, L. veio passar um período maior no Brasil. Francesa fina, de bom tom, elegante, inteligentíssima, linda. Foi estudar em um colégio daqui e ser vizinha de algumas piriguetes. Claro, desvirtuou-se. Soube pela minha mãe que ela se drogou, se envolveu com um homem mais velho e encheu a cara a ponto de ter sido encontrada meio desmaiada em um banheiro. Finésse misturada com muito sexo e drogas? Virei fãzaça de L., lógico. Com isso tudo ela acabou tendo que voltar para a França, mas tudo bem, continuo admirando ela intercontinentalmente. Bom, isso tudo não vem ao caso, estou apenas contextualizando. Voltemos à parte em que nós éramos pequenas e ainda não entendíamos o que a outra falava. Ela olhava para o meu gato e falava "ooun, chat!". E eu ficava meio que "chá é aquela coisa que serve na xícara, nénão?". E minha mãe, meu pai, todos pareciam compreender. Para mim, ela era um ser de outro planeta. Saíam aquelas coisas estranhas da boca dela e só eu não compreendia. Esperava pacientemente pelo dia em que eu também seria abduzida e sairia falando estranho, até que me veio à cabeça "ok, essa pessoa não é normal. será que ela está ciente das coisas que acontecem ao redor?". Comecei a reparar no seu comportamento. Tenho certeza de que era bem pequena, mas lembro-me de, certa vez, estarmos eu, L. e a minha irmã no banheiro lavando as mãos. Ela lavava com cuidado e olhava estranho para a pia. Comentei de canto, baixinho com a minha irmã: "Será que ela entende que esse é o barulhinho da água?".

#epicfail

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Desafinando o coro dos contentes

Anna Dello Russo é uma italiana de péssima postura beirando seus 50 anos. É, também, uma Vogue gal, editora de moda da edição japonesa. É licenciada em literatura italiana e história da arte. Anna é rainha do streetstyle absurdo, faz juz a sua posição de editora de Vogue. Está sempre impecável, diferente, com jóias extravagantes, haute couture e saltos abusivos para alongar mais ainda seu belo par de pernas. Mesmo com tudo isso junto-misturado, segue uma linha de raciocínio nos outfits. A referência que busca na história da arte, às vezes, é gritante. O que é gritante, outras vezes, é a falta de sentido que a coisa toda faz.
Há quem a critique, dizendo que, como editora de uma revista tão influente, ela não devesse se vestir de forma tão inacessível. Eu desafino o coro dos contentes, acho completamente o oposto: ninguém abre uma Vogue para ver jeans e blusinha, para ver o pretinho básico da estação. Ninguém abre uma Vogue para ver modelos com roupas ordinárias desfilando na passarela, sem explorar o máximo do que o tecido pode produzir e sem movimentar o glamour que a marca e o nome por trás do desfile venderão em perfumes e sapatos com enormes listas de espera depois. Anna é a personificação disso. É alguém que nos mostra como o meio fashionista é feito de estruturas e buscas, referências e diferenciações.
O mais engraçado disso tudo, é que as pessoas tendem a não compreender. Tendem a não ver a moda como mais um movimento artístico, aliás, um movimento não, uma escola que transita entre os movimentos, evoluíndo junto com a história. As roupas usadas em uma determinada época trazem tantas referências e significados quanto um quadro do mesmo período traz. A própria Anna se manifesta a favor dos bloguers, não como mera vitrine online, mas como instrumento de comunicação em massa, discussão aberta a todos que tiverem algum palpite sobre. E, realmente, as pessoas tendem a não compreender. A distanciar-se disso tudo e fingirem que essa indústria da moda é uma tal que não as atinge.
Adoro a feição das pessoas diante da Anna. Adoro. Gosto mais do que comer negrinho de panela enquanto vejo Sex and the City. Ela feliz, se divertindo horrores na montação, e as pessoas olhando para ela com a sua pior feição. Adoro essa ignorância toda e adoro o descaso italiano dela diante de todos.





segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A espera da estação

Boa garotinha metida à it girl atrasada que sou, eis que fui atrás do Snob, da MAC. Em termos de batom, é a cor da estação, mesmo que a estação termine em um mês. Para quem só foi pintar as unhas de Sereia essa semana, que diferença faz. Tudo bem, eu tiro o atraso lançando uma cor no Outono, sem problemas. Enfim. Segue o diálogo.

Mocinha Mega Maquiada da MAC - Oi! :)
Eu - Oi :)
MMMM (que sigla mais Crash Test Dummies) - Posso te ajudar em alguma coisa?
Eu - Eu tava procurando um batom
MMMM - Bom, aqui nós temos a tabela de cores
Eu - Pois é, na real eu queria o Snob
MMMM - Ah, o Snob é o único que tá em falta, estamos sem ele na loja há bastante tempo
Eu - Putz...
MMMM - É, mas se tu quiseres, te coloco na lista
Eu - Lista?
MMMM - É, a lista de espera do Snob
Eu - Éam... não, gracias de qualquer forma.

Cheguei em casa e corri pro site da MAC. Entre mil ítens de maquiagem para a boca, só em batons são 172 cores. Cento e setenta e duas cores. Aliás, cento e setenta e uma, porque uma mísera cor não existe mais. Ou seja, entre outras 171 cores para escolher, as pessoas preferem ficar em uma lista de espera por um freaking batom. Bloguers de moda definitivamente movem montanhas...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

keep your eyes on the road, your hands upon the wheel

Ok, rápida experiência traumática: Entrei no prédio onde eu trabalho. Levemente atônita, com meu olhar perdido, quase o mesmo olhar da menina comedora de pássaros do Magritte. Estado de espírito usual, tenho esse ar de quem não sabe ao certo o que está fazendo enquanto caminho. Bolsa no braço, água na mão. Cumprimentei o seu Antônio da portaria, entrei sozinha no elevador, marquei o 4° andar e esperei. Larguei a água no chão para abrir minha bolsa e pegar a chave. Nisso, o elevador pára. "Que rápido!", pensei. Estou acostumada com o antigo escritório que era no 18° andar, subir quatro andares não é nada. Entram duas meninas, eu desço. Saco a minha chave, enfio na fechadura e ela encaixa. E o mais surpreendente, dá uma volta. Abro a porta e deparo-me com um verdadeiro cataclismo. Calamidoso, catastrófico, caótico, e isso tudo só na letra C. Madeira por toda a sala, um rombo na parede, sacos de imundícies, enfim, uma verdadeira zona. Eu fiquei ali, parada, catatônica, com a mão no trinco. Passei uns 10 segundos pensando que o andar de cima havia despencado e caído sobre a Verdeperto, todos haviam morrido durante o horário de almoço, houve um terremoto na esquina da General Câmara com a Andradas e não houveram sobreviventes no quarto andar ou, ainda, um avião chocou-se contra o prédio, errou feio o rumo para a Casa Branca. Olhei para o lado e vi o restaurante do prédio. Ok, pensei, o restaurante não ficava no segundo andar?, questionei. Levantei a cabeça e vi o que estava escrito no topo daquele verdadeiro portal para a desavença entre os povos: 201, estava escrito. Algumas pessoas do restaurante me olharam estranho, eu deveria estar branca. Fechei a porta e subi correndo as escadas rumo ao quarto andar, repetindo baixinho Puta que pariu, que cagaço, puta que pariu, que cagaço, puta que pariu...

domingo, 31 de janeiro de 2010

Dama da Lotação

E mais uma da série: Se Esse Tipo de Coisa Não Acontece Só Comigo, Então Todos Deveríamos Estar Escrevendo um Blog Juntos. Vamos aos fatos. Eu moro onde eu moro há uns quatro ou cinco anos. Seis, sete talvez, não sei agora, mas enfim, quem está contando? Só sei que moro aqui há bastante tempo pra saber que só há quatro meios de chegar na minha casa: de carro/moto, o que não é uma opção pra mim; de ônibus, linha 195 - fé em deus, TV!; de lotação com ar condicionado que me larga na porta de casa, mas cobra abusivos três reais e trinta centavos e, por fim, esbaforir subindo de a pé os morro. O que é fácil para mim, que não fumo, não bebo, malho todos os dias e me alimento apenas de vegetais, fibras, vitaminas, proteínas e pequenos insetos. Not. Aliás, tirando a parte dos pequenos insetos, quando eu tinha uns seis anos ouvi falar que comer formiga fazia bem para os olhos e ráá, look at me now, quatro graus de miopia. Enfim, não que isso venha ao caso.

Quando estou desintegrando no sol ou quando já deveria estar no trampo há uns dez minutos, acabo pegando a lotação. Como faço isso há bastante tempo - me atrasar, no caso - eu pego bastante a lotação. Do mesmo jeito que a Melleu conhece bem os motoristas do 195/TV (in a naughty way), eu conheço bem os motoristas da lotação (in a Jordy cantando C'est dur dur d'être bébé, ooh la la bébé! way). Não apenas conheço, como crio apelidos para eles. Apenas internamente, é claro. Tem o porquinho, que é um meio gordinho, ruivinho, branquinho, com um narizinho meio chato, um baita querido. Parece o Baby, o Porquinho Atrapalhado na Cidade Grande. E é por isso que os apelidos são internos, senão nenhuma lotação pararia mais para mim. In fact, passaria por cima. Mas vá lá, tem o Porquinho, tem o Milico, tem o Barack, tem o Fiadasputagrossodocaralho, tem o que se parece com o Fiadasputagrossodocaralho, mas não é, tem o HowareYOUdoing?Roar, enfim, tem vários. E foi certa vez, com o Barack, que algo de muito estranho aconteceu.

Lá estava eu, carregando mil cacarecos, como sempre, ao invés de usar uma prática mochila, acenando para a lotação. Ela parou e já estava relativamente cheia. Barack fez seu sorriso "yes, we can" e disse "ó, bom dia". Sentei no primeiro banco que eu vi, joguei minhas coisas no banco vazio ao meu lado e fui contar minhas moedinhas. Abri a carteira e me dei conta de que eu não tinha fechado o compartimento de moedinhas na última vez que a manuseei. Too late. Fuuuuuuuuu!, esbravejei. Níquels por todos os lados. Lembro de um senhor, na minha diagonal, me olhar estranho. Bem estranho. Mas enfim, catei as moedinhas, enfiei tudo para dentro da bolsa, enterrei os headphones na cabeça, já que meus fones comuns estragaram, e segui viagem. Menino Deus, Cidade Baixa, Centro. Fui a última a levantar ao ancorarmos no centro, pois a sacoleira aqui ainda estava se pendurando os pertences. Cheguei para o Barack com uma nota de cinco mesmo e ele, com seu eterno ar de "yes, american citizens, we can!" me disse "a tua já foi paga". Ensaiei a mesma cara que eu faria caso chegasse em casa e minha mãe dissesse "ei, galera, fiz lesmas com merda de cavalo al dente para o almoço! :D" e me limitei a um "Quê?". "A tua passagem foi paga, tu não sabia?" "Não...?" "Um senhor pagou, até apontou para ti quando veio pagar, achei que tu soubesse".

Desci da lotação. Weird, pensei. Al Yankovic, completei. Tentei recapitular as fisionomias dos demais passageiros da lotação, mas não conseguia. Eu já estava putadacara com o episódio das moedinhas e com vergonha pelo "Fuuuuuu" que só prestei atenção no trajeto M. Deus - C. Baixa - Centro mesmo. Barack mencionou um "senhor", e houve aquele senhor que me olhou estranho. É a alternativa mais provável. Sempre quis ter um velho rico que me bancasse. Ou que ao menos bancasse minhas andanças de lotação, já estaria valendo. Fico imaginando se alguém se levantasse, fosse até o cobrador e apontasse para mim enquanto eu estivesse olhando. Arrancaria os headphones na hora e gritaria algo como "é uma pistola de água! eu juro". Ou qualquer outra coisa que não fizesse sentido para depois poder falar "haha, não? ninguém?". Tenho vergonha de perguntar para o Barack se ele lembra quem foi, e se ele me indicaria caso visse novamente. Tenho medo que ele diga algo como "No, south-american citizen, we can't".

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O tempo e o vento. E os anões de jardim.

No caminho entre a minha casa e a casa do meu namorado, há um prédio. Aliás, há vários prédios, mas esse se destaca. O caminho entre a minha casa e a casa do meu namorado é relativamente comprido, não sei quantos quilômetros, mas sei que dá R$11 de táxi - que é como eu sei medir algumas distâncias. Sei também medir em minutos no ônibus, incluíndo o tempo médio de espera. Gosto de me locomover, enfim. É um prédio que se destaca dos demais. Não é tão alto, nem tão baixo, ou largo, ou fino. Diria que é um prédio mediano. Porém, com uma peculiaridade. Ímpar, acrescentaria.
Uma Branca de Neve cercada de sete anões é, infelizmente, comum em jardins. Agora uma Branca de Neve cercada de sete anões que se locomovem semanalmente, quiçá diariamente, não é comum. Sempre que passo por lá, eles estão dispostos de uma maneira diferente. Um dia, foi o enterro da Branca de Neve: a escultura com sua tinta já desgastada estava deitada no chão, nos permitindo ver sua base de cor-de-barro, enquanto os sete anões estavam dispostos ao redor do corpo jazido. Apesar de sorriso nos rostos - menos o Zangado - eles pareciam tristes devido à encenação toda. Outrora, os anões pareciam seguir a Branca de Neve, que os guiava pelo jardim de entrada do prédio. Houve a vez também em que eles estavam todos de costas para a rua, ou ainda, a vez em que um anão estava estrategicamente posicionado atrás da princesa, e os outros espalhados ao redor, como se apenas a altura da Branca de Neve impedisse o estupro em via pública.
Agora eu me pergunto: quem diabos faz isso? Neste distinto prédio mora uma pinta que se presta a acordar todos os dias pensando "em qual posição pô-los-ei hoje?", com mesóclise e tudo. Fora o peso que aquelas esculturas não devem ter, imagine só, ficar trocando de lugar sete freaking anões de jardim, mais a Branca, que deve pesar o dobro. Eu levo a minha vida e mais uma jornada de seis horas de trabalho por dia (isso que eu estou de férias! em período normal, mais algumas horas de faculdade) sabendo que há alguém nesse mundo com tempo para locomover anões. Dá pra acreditar nisso? É uma força de vontade, uma força física e uma criatividade, todas canalizadas em mover a Branca de Neve e os sete anões por um pátio de poucos metros por poucos metros, nada que passe dos dois dígitos. O que os outros moradores não devem pensar disso? Ou será que há reuniões de condomínio para discutir quais serão as próximas peripécias da princesa e seus homenzinhos de barba e baixa estatura?
Há de chegar - há de chegar! - o dia em que eu estarei passando por ali e pegarei a pinta no flagra. Páro o táxi, se for o caso. Há de chegar...