domingo, 6 de novembro de 2011

é pau, é pedra

Acho engraçada a forma com que, hoje em dia, falam de bullying como se fosse uma novidade, um problema contemporâneo. Bullying existe, mais precisamente, há uma caralhada de tempo. A diferença é que, agora, ganhou uma expressão em inglês para defini-lo. A fim de comprovar a longa existência de tais atos de violência, dividirei com o grande grupo minha experiência de bullying no colégio.
Acredito que tenha sido ali pela 2ª ou 3ª série quando A descobri. A assim mesmo, em maiúsculo. Ela era linda. Toda excepcional e singular. Minha pedra. Não era exatamente uma pedra, era um concreto em formato meia lua de uns 20cm de diâmetro, todo cravejado de pequenas pedrinhas. TIPO, SABE? Era muito especial. Encontrei-a apoiando a escadinha capenga de madeira que as tias da limpeza usavam para acessar o banheiro feminino pelos fundos. Decidi adotá-la. Levei uma escovinha no dia seguinte e a dei um banho de mangueira, esfregando com cuidado seus mínimos detalhes. Todos os dias ia visitá-la para brincarmos, sempre percebia um detalhe novo na sua superfície, passei até a dar banhos semanais. Até que um dia, meu segredo foi descoberto.
A criança gordinha com nome de tia - que tipo de criança se chama Silvia? -, dona de uma pedra de estimação. Ouk, eu estava praticamente implorando por bullying, mas os acontecimentos que sucederam foram demasiadamente cruéis...
Um dia, Juliana, criança descolada e de nome moderno, me seguiu no recreio e descobriu a minha pedra. Riu pra caramba da minha cara e disse que sumiria com ela. Disse que contaria para a professora e tirariam a pedra dali. Fiquei imaginando minha pedra sozinha, com fome, frio e sem tomar o banho semanal. Me bateu um desespero. Fiz de tudo para que a Juliana não desse um jeito de sumir com a minha pedra, em vão. Decidi, então, escondê-la. Primeiro coloquei-a dentro do escaninho das tias da limpeza. Elas ficaram putas comigo, não era algo exatamente leve para se botar por cima dos produtos de limpeza. Depois, apelei para pontos estratégicos do pátio, sempre sob as mesmas ameaças de delatação. Até que, então, a pedra sumiu.
Nunca soube o que aconteceu, se foi alguém da manutenção que a encontrou no pátio e resolveu removê-la para que não tropeçassem nela ou se foi a professora que, ao saber da história toda, julgou mais salutar sumir com a pedra mesmo. Não sei, só sei que fiquei muito triste. A Juliana ainda comemorou, teve os colhões de rasgar uma folha, dizer que a folha era eu e jogar os pedacinhos em mim. Chuif.
Frequentemente lembro da minha pedra com carinho. Tenho certeza que ela foi peça fundamental no meu desenvolvimento, me ensinando compreensão, responsabilidade e proteção com o menos favorecido. Eu e a Juliana, eventualmente e por ironia do destino, nos tornamos melhores amigas. Brincamos muito de barbie e outros brinquedos considerados normais. Meu único desejo, hoje em dia, é que nenhuma tia da limpeza tenha caído da escadinha.


* N.E.: Tentei reproduzir sua fisionomia no paint. Não ficou uma representação exatamente fiel, mas creio que dê para ter uma idéia da coisa e talz...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ensaio sobre a febre


Fazia uma semana que eu não abria a minha janela. Uma semana que eu só saía da cama para ir ao hospital. Uma semana em que meu braço foi picado cinco vezes, quatro para coleta de sangue e uma para injeção de alívio. Uma semana em que 39° de febre era o meu normal. Uma semana acordando ensopada de suor no meio da noite. Uma semana de quatro diferentes embalagens de remédios cronometrados. Uma semana me perguntando o que eu fiz para merecer isso. Uma semana sem vontade, sem apetite, sem raciocínio. Uma semana com três médicos, sem nenhum saber me dizer o que há de errado comigo. Um acha que é mononucleose, outro acha que pode ser algo nos rins. "Melhor esperar se manifestar mais antes de começarmos um tratamento". Aí, hoje, eu abri a janela.
Tem uma árvore na frente da minha janela. Ela foi cortada há uns anos, e nasceu um galho do toquinho. Ela foi crescendo de novo e eu ainda não a tinha visto na primavera. Aliás, talvez a tivesse visto, mas não a tinha reparado. Hoje, quando abri a janela, ela me pareceu maior, mais verde, mais iluminada. Fiquei ali, parada, me sentindo idiota por me deixar sensibilizar tanto por uma árvore.
Esses dias em casa me fizeram pensar muito - até porque não tinha muito mais o que fazer -, mesmo. Li dois livros, assisti a cinco filmes e às duas temporadas de community. Cheguei a algumas conclusões de coisas que eu vinha fazendo, e da maneira que lidava com certos fatos. Não digo que agora eu vá mudar completamente, não venci um câncer nem nada, mas pensar sobre nós mesmos é bom de vez em quando. É incrível a minha capacidade de solucionar os meus problemas sendo irônica. E isso não faz de mim uma pessoa engraçada, isso só faz de mim uma pessoa meio idiota. Precisei de 40° de febre para me dar conta disso. Precisei, também, de um filme onde a mina anda de bicicleta de pijama enquanto bebe whisky e Whoopi Goldberg é deus para valorizar a vida que levo e as pessoas que estão nela.

Ter ficado doente não foi tão ruim assim. Ouk, foi, foi péssimo na verdade, mas abrindo a janela hoje me dei conta disso. Foi preciso ficar assim para dar um tempo nessa vida vertiginosa e eu pensar em certos aspectos. Foi preciso ver uma árvore verde de novo para eu me dar conta de que é normal ficar doente, assim como é normal se recuperar. Não foi questão de merecer ou não ficar doente, isso acontece. Desejo o mesmo para todos, de verdade. Sem a parte da mononucleose.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

marlborohm shanti

- Tchau!
- Tá indo onde, guria?
- Pra yoga!

Meu pai só revirou os olhos e, cretinamente, deu um sorriso de canto. Não vi a cena, já tinha fechado a porta, mas tenho certeza que ele a fez. Assim como todas as coisas que eu invento de fazer, me animo no começo e lá pelas tantas acabo desistindo. Meus pais já viram isso acontecer algumas vezes, durante 21 anos. Ginástica olímpica, natação, piano, judô, corrida, academia, enfim. O fato é que, agora, senti a extrema necessidade de fazer algo que me ensinasse a respirar melhor e a ter uma postura correta, já que respiro que nem o Chewbacca e tenho a coluna de uma velha reumática. Extrema necessidade de levar uma vida melhor. Coloquei meu outfit ginástica, que consiste em uma regata preta, uma camisetona jogada com o ombro de fora, uma calça furada na bunda e o tênis nike e fuzil. Porque né, a pessoa se exercita em 1980. Na bolsa, as chaves, o cigarro, a identidade, o tri e a carteirinha da unimed, a gente nunca sabe quando a yoga pode nos matar.

Três meninas estavam sentadas em esteiras aguardando a instrutora. Todas em uma postura perfeita e de olhos fechados, concentradas em algo muito maior do que a minha capacidade pudesse compreender. Magras, é claro. Me senti, por um átimo de segundo, UM LIXO. Eu não fazia ideia do que me aguardava. Não sabia como sentar, não sabia o que fazer com as mãos, não sabia se eu deveria estar pensando em algo específico. Peguei uma esteira e me sentei ao fundo, tentei não me fazer percebida. Acho que um animal desastrado de 1,80m que nem eu chama mais atenção quando se esforça para passar desapercebido do que ao natural, mas enfim. Logo, chegou a instrutora. Uma mulher mais velha, aparentemente muito centrada. Ligou o som, uma dessas músicas que a gente ouve em lojas de artigos indianos, começou a calmamente dar instruções e a falar coisas de yoga (sou tão ignorante no assunto que não posso nem remeter a um termo).

Lá pelas tantas, me senti muito confortável ali. Concentrada no que estava fazendo, confiando na respiração e sentindo partes do corpo que nem sabia que eram "sentíveis". Sempre fui bastante flexível, apesar de estar um tanto acima do meu peso ideal. Encostar as mãos nos pés sem dobrar os joelhos e lamber o cotovelo nunca foram um problema para mim. O meu problema é a resistência. Como a coisa consiste muito mais em manter as posições do que em repeti-las, tiveram momentos de grande dificuldade. Por exemplo, uma das meninas estava tirando a posição invertida de letra, ela fazia hábeis movimentos com extrema graciosidade e naturalidade. Eu parecia um tatu-bolinha com o casco virado. Acho que, com o tempo, essas coisas melhoram, o fato é que saí de lá me sentindo muito bem.

A primeira coisa que fiz, claro, foi acender um cigarro. Invoquei a energia através do mantra marlboroooohmmmm. Sei que não deveria dizer isso, mas o cigarro foi ótimo depois da yoga. Deve ter sido aquela respiração toda, meu corpo estava renovado e a fumaça entrou com a plenitude de uma virgindade sendo deturpada. Naquele instante, fiz algo que já me vi fazendo várias vezes nesses 21 anos: "esse é o último". Assim como desisti da ginástica olímpica, da natação, do piano, do judô, da corrida e da academia, agora desistiria do cigarro. Já até perdi a fé, sempre digo que vou parar, jogo a carteira fora, no dia seguinte estou comprando um avulso para então comprar um maço. Mas aí penso, de que adianta eu estar fazendo essa renovação toda se vou continuar me estragando? Se a idéia é viver melhor, então que eu viva melhor na sua totalidade. Espero que dure, espero que eu desista do que me faz mal e siga acreditando no que me faz bem. Mesmo que, para isso, eu precise parecer um tatu-bolinha.

domingo, 19 de junho de 2011

corredor 10

só dei-me conta quando o vi ali, mexendo nas caixas, acocado
roube meu coração, mas não roube o meu supermercado

segunda-feira, 13 de junho de 2011

pra não dizer que não falei das lombadas


Em junho de 2006, trazendo na capa uma Gisele com ares fatigados prometendo um "balanço de sua vida" no recheio, a Vogue Brasil mudava o seu projeto gráfico. Não drasticamente, mas aquela velha história de dar um "ar mais dinâmico" para a revista. Eu sempre apoio essas pinceladas temporais, de acordo com a necessidade. Daniela Falcão é, querendo ou não, a diretora responsável, apesar de ainda assumir o papel de diretora de redação com a saída da Patrícia Carta e a não mais publicação através da Carta Editorial e sim da Globo Condé Nast. Na época, ela definiu o redesenho como uma enfatização de que a Vogue é uma revista de moda, ou seja, era necessário uma reorganização das seções, como a diferenciação de cultura e consumo de moda, por exemplo. O novo desenho entra para deixar essa reorganização mais leve e feminina, com um design mais orgânico. Agora está menos engessada e mais nervosa, disse.

Nessa mesma capa, ainda se referia à Alemanha como o país da copa, os 30 anos do punk eram revisitados e invejava-se os lábios de Angelina Jolie e o corpo de Elle Macpherson. Na época, quem fez o novo projeto gráfico da revista foi a própria diretora de arte, a inglesa Rebecca Mason. Hoje em dia, Mila Waldeck, diretora de arte da Vogue já há alguns anos, capitaneou essa "engenharia nos pilares da revista", como definiu Falcão, com o auxílio da própria Mason, a mesma de cinco anos atrás. Devo frisar que a Rebecca é uma gracinha fashionista de uns trinta e poucos. Na capa da "nova reforma", edição de junho de 2011, temos Raquel Zimmermann vestindo Animale e as chamadas - muito mais chamadas do que há cinco anos: cremes para as idades de 20 à 50, o poder do branco no inverno, os casacos mais desejados da estação e Marta Suplicy, Bia Antony e Kate Middleton. Veja só.

Gostei, e muito, da "nova cara". Não é fácil diagramar uma revista com o volume, a quantidade de informações, o acervo imagético e a assiduidade mensal que a Vogue apresenta. Mesmo assim, eles tiram de letra. Acho engraçado como as pessoas gostam de escorraçar a Vogue por ser elitista, por tratar a moda fora da realidade, por ser medíocre e superficial, por já ter virado mainstream. Acho engraçado mesmo. Sou defensora com unhas e dentes da Vogue. Reconheço que há uma série de revistas, blogs e designers interessantíssimos por aí que podem estar sendo atropelados de alguma forma, mas jamais se pode tirar o mérito. É uma revista de arte, de contemporaneidade, com boas matérias, editoriais, saudosismos e o que está em cena atualmente. É o que Anna Dello Russo já afirmou há tempos: ninguém compra uma Vogue para ver jeans e camiseta. Ninguém vai a uma exposição de arte para ver o que nós mesmos podemos rabiscar com uma bic.

Enfim, escrevi tudo isso para dizer: Vogue, sualinda, é isso aí! A tipografia fluída, as colunas, os créditos, as legendas, as informações dos produtos, até a cursiva - e olha que eu sou sempre a primeira a levantar a bandeira contra as cursivas -, até a cursiva ficou genial! Sou puxa-saco sim, me deixa. Mas ó, o mais legal, disparado e sem sombra de dúvida, foi a lombada. Que lombada maravilhosa! Quem empilha/enfileira revistas, sabe o valor de uma lombada. Que lombada bem linda...


N.E.: Um amigo comentou que achou estranho o logotipo estar em "sans serif" na lombada. Queria afirmar que eles não mudaram o logotipo, apenas tiveram os colhões de alterá-lo só ali como recurso gráfico, em prol de melhores leiturabilidade e visibilidade. Para isso, também tiraram o itálico, colocaram o "n°" em caixa alta e mudaram completamente a tipografia, os pontos e a proporção.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Duas histórias ótimas (e reais!) de amigos meus, já que eu cansei de estar sempre tirando sarro comigo mesma nesse blog

(Antes de mais nada, cansei também de usar itálico em citações em inglês, gente. A partir de agora vou me aventurar, viver perigosamente, ESSE É O MEU JEITÃO DE ESCRITA!)

1.

Tenho uma amiga. O nome dela é Dini* (*os nomes serão drasticamente alterados a fim de preservar a identidade dos envolvidos). Na casa da Dini há um largo acervo de livros de culinária para microondas. Sério, são alguns vários fascículos só com receitas práticas de micro - ou nem tão práticas assim. Não lembro o nome, mas é algo tipo "você e seu microondas - viva com praticidade e harmonia" (just made that up). E é incrível a técnica e a habilidade de Dini diante seu gadget culinário. Ela poderia vender microondas na polishop como algo completamente inovador - sem alterar nada no eletrodoméstico - e ficaria milionária. Mas enfim, o caso é que com toda essa exímia habilidade na pronta-alimentação, Dini não é muito, digamos assim, versada nos demais campos da gastronomia.
Um dia, segundo a narrativa da própria, ela ficou cheia de vontade de comer cenoura e beterraba. Lá foi a moça, rumo ao supermercado comprar as tais da cenoura e da beterraba - itens dos quais ela não estava muito habituada. Comprou, pesou, pagou, até aí tudo bem. Chegou em casa e foi deliciar-se com seus quitutes quando notou, sorrateiramente, que eles estavam duros. Lógico. Putz, que azar, comprei uma cenoura e uma beterraba estragadas! - pensou. Nossa, mais lógico ainda. Resolveu ligar para a mãe dela.
- Mãe, comprei uma cenoura e uma beterraba, mas elas estão duras demais, acho que estão estragadas!
- Estão cruas, isso sim! Tem que cozinhar antes de comer.
- Aaaahhh...
Dini não teve dúvidas: encheu um tupperware de água, colocou boiando ali a cenoura e a beterraba e meteu no micro. Não demorou muito até ouvir algo que soava como uma pequena implosão. Ela diz que o microondas é roxo por dentro até hoje.

2.

Na época de colégio ainda, uma das atividades bacanas do nosso "grupinho" era reunirmos para ir ao cinema. Tenho dois amigos que são praticamente vizinhos, a Juliane* e o Guilhermo*. No final de uma dessas sessões, o Gui ofereceu carona pra Ju, já que a mãe dele viria buscá-lo. Ele pretendia ainda comprar um tênis e a mãe dele queria passar no supermercado, a Ju disse que tudo bem, iria junto com eles. Esperaram um pouco até que a mãe e a avó do Gui chegaram. Foram, os quatro, até o supermercado, onde a mãe escolhia os itens, a avó acompanhava, o Gui ia dando opiniões e a Ju apenas os seguia. O Gui foi carregando as compras, enquanto sua mãe sugeriu que eles a esperassem sentados em um banco, pois a avó já deveria estar cansada, enquanto ela ia buscar o modelo do tênis que o Gui já havia escolhido. A avó sentou no banco vazio, o Gui largou as compras no chão e a Ju ficou ali, parada, junto com eles. Nenhum dos três havia trocando uma palavra até então. O silêncio foi quebrado pela avó.
- Pssshh... Psssh...! Guilhermo...
- Quê, vó?
- Senta aqui com a vó no banco.
- Não, vó, tô a fim de ficar de pé.
- Psshhh, Guilhermo, senta aqui.
- Não quero, vó.
- Mas eu quero falar uma coisa contigo.
Quando Guilhermo finalmente sentou, a avó inclinou-se para o seu lado, fez uma conchinha com as mãos e cochichou no ouvido do neto:
- Abre o olho com as compras, Gui, que essa guria tá nos perseguindo desde o cinema!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

avoid

Sou dessas pessoas que gosta de fazer tudo ao mesmo tempo. Nessas de fazer tudo ao mesmo tempo, acabo não fazendo nada. Esses tempos li em algum lugar sobre a facilidade que as pessoas com déficit de atenção têm em trocar uma atividade por outra. Me identifico muito com essa descrição, minha própria narrativa literária aqui do blog condiz com isso. Escovo os dentes pela manhã já procurando o cartão do ônibus na bolsa. Aí, claro, tento pagar o ônibus com o Panvel Fidelidade e escovo os dentes com Bozzano. Esse pensamento vanguardista atrapalha bastante. A intenção geralmente é boa, mas meu lado desatento e meu lado burro são regiões limítrofes do meu córtex cerebral.
Aos que ainda não compreenderam, exemplifico - expondo a mim mesma: Lá estava eu, toda gatinha, fumando um cigarro na entrada de um shopping da capital. Havia um pequeno grupo de pessoas interessantíssimas ali, fumando também e trocando uma idéia. Dois guris e uma guria. Não ouvia o que eles estavam falando, eu estava com os fones, mas com certeza era algo atraentemente palpitante. Não há dúvidas quanto a isso. A menina estava com um vestido boudoir e um terno compridinho, os garotos tinham o cabelo bagunçado e a barba estrategicamente mal feita para dilacerar corações. É óbvio que o que eles conversavam era imprescindível. Incrível como algumas pessoas são naturalmente interessantes.
Fiz o maior esforço do mundo para parecer interessante também.
Lá pelas tantas, fui puxar o celular do bolso para desligar a música e seguir com os fones, como qualquer boa stalker. Tenho a péssima mania de puxá-lo pelo próprio fio e ele tem a péssima mania de ser um smartphone enorme. Não é que o celular dá uma trancadinha no bolso, eu fico só com o fone de ouvido na mão, ele acaba caíndo e, sem os fones conectados, reproduzindo em alto e bom som o que estava rolando na playlist? ONE, TWO, THREE, NOT ONLY YOU AND ME, GOT ONE EIGHTY DEGREES AND I'M CAUGHT IN BETWEEN. Porra, por que nessas horas não estava tocando um TV On The Radio ou um Massive Attack?! Fiquei TÃO constrangida com aquela Britney Spears descontrolada que acabei pisando em cima do celular. PISANDO EM CIMA DO CELULAR. Se eu já me atrapalho em situações convencionais, imagine só no susto. Ele continuou tocando, claro. Aí quando as faculdades mentais voltaram ao seu funcionamento regular, me abaixei, peguei o dumbphone, dei pause e comecei a rir. A situação durou um átimo de segundo, mas pareceu muito mais. Olhei para o lado, os três estavam me olhando e rindo também. Fiquei em dúvida se estavam rindo mais da Britney ou se de mim, pisando naquele celular como quem mata uma barata. Acendi outro cigarro e saí dali, ainda rindo, mas evitando perder a compostura. Bem feito.

Moral da História¹: Sempre aja com calma e tranquilidade, raciocine bem antes de fazer as coisas e as faça uma de cada vez.
Moral da História²: Só ouça Britney Spears trancado sozinho em um quartinho escuro, frio e úmido.
Moral da História³: Não compre um Nokia E63. Ele quer foder você.

terça-feira, 17 de maio de 2011

just a gal and her will to survive

Agora eu dei pra caminhar. Bom, antes que eu faça uma piada auto-depreciativa de significado torpe e ignóbil com fins pejorativos, vamos ao causo.
Como toda boa gordinha, vez que outra, quando vamos entrar no banho e sorrateiramente nos olhamos no espelho ou vamos experimentar outfits diante o próprio reflexo, bate a deprê. A deprê de ver toda aquela carga excedente, desnecessária. Aí lembramos da sobremesa repetida e do exagero na cervejinha de sexta. Da blusa apertada e do zíper da cintura-alta que não fecha mais. Foi aí que a geração saúde me pegou. Diminuí os cigarros, as cervejas e as noitadas. "Essa tua vida promíscua", como disse minha sempre exagerada mãe. Comecei a caminhar. Dia sim, dia não. E, gente, é todo um mundo à parte...
Tudo começou no provador da Renner. O espelho anguloso me fez ver pneuzinhos que eu nem sabia da existência. Saí de lá sem querer comprar nada, "tôô gooorda, não mereço roooupas", balbuciava em minha mente. Na saída do provador, dei de cara com a sessão de roupas esportivas - esse capitalismo sabe organizar uma loja, hein? - e, logo, avistei um shortinho bafento de corrida. Comprei. Comprei e saí anunciando pra deus e o mundo "É hoje! É hoje que eu vou correr até morrer!". Saí da Renner e caía uma MANGA D'ÁGUA no centro. Nada de novo, chove em Porto Alegre, como já diria o sábio Nei Van Sória. Quando a gente acha que vai ser magra, linda e atlética, vem a vida e gonga.
O shortinho ficou parado uns dias no armário, até o começo da semana passada, em que me bateu o espírito run, forrest, run! e eu saí correndo. Botei o shortinho, o tênis nike (... e fuzil! racionais? não, só eu? ouk então), a camiseta do FestFoto, um moletom preto e a bolsinha peruana - flautas baixinhas ao fundo - para carregar apenas as chaves de casa e o vale-transporte, caso a gordinha morresse no meio do caminho. Caminhando e cantando e seguindo a canção percebi várias coisas que compõe o ato de caminhar:

(1) Guilty pleasures musicais. Daddy Yankee, Britney, Pitbull, todos os tipos de proibidão existentes e algumas (poucas!) coisas legais como Scissor Sisters ou Garotos Podres. Músicas que pilham, que dá pra caminhar no mesmo ritmo. E o melhor de tudo é isso, não é aquele constrangimento de estar ouvindo no ônibus com medo de que o passageiro ao lado consiga ouvir também. Mão na perna, mão no seio, agora mão na xoxota E DAÍ? TÔ ME EXERCITANDO, EU OUÇO O QUE EU QUISER!
(2) Tu ficas invisível com roupa de esporte. Sério, juro. Acho até que dá pra roubar um banco com um abrigo da adidas. Ouço cada absurdo quando tô de meia calça e sainha andando na Venâncio, por exemplo. Mas, quando tô com o tal shortinho que, convenhamos, é muito mais piriguete que a meia-calça, ninguém olha. Acho que quem tá evidentemente se exercitando, com a roupa e o ritmo para tal, acaba sendo automaticamente integrado à paisagem urbana pelo expectador.
(3) O código secreto entre as pessoas com roupa de ginástica. Costumo caminhar mais no fim do dia, horário em que muitos estão caminhando na rua ou indo/voltando da academia. Há toda uma cumplicidade entre aqueles tênis feios e as garrafinhas de água. Em locais próprios de caminhada, como a orla do Guaíba ou o C.E.T.E nem tanto, mas percebi que na calçada as pessoas se sorriem e dão um leve aceno com a cabeça, como quem diz "isso aí, keep walking!". Aderi. Adoro ser simpática à toa.
(4) O negócio das endorfinas é tudo verdade, gente. Lá pelas tantas tu tás numa pilha, mas numa pilha, que começa a rolar Eye Of The Tiger no fundo e tu PRECISAS sair correndo e, dependendo dos psicotrópicos em que costumas estar trabalhado, dar socos no ar. Se parar, acaba cansando, as pernas dóem, mas mantendo um ritmo, deve dar pra ir até o Alegrete numa nice. Poderia dizer "só não me perguntes onde fica!", mas seria uma piada despretenciosamente ruim.

Enfim, indico. E, pra quem vem com a desculpa ruim de "ah, mas eu não gosto de caminhar sem um objetivo mimimi", bota R$2,70 (lê-se "pilas") no bolso, pega um ônibus que vá para Alvorada (spoiler: se já moras em Alvorada, o truque não funcionará) e tenha como objetivo voltar pra casa.

terça-feira, 19 de abril de 2011

gentileza gera gentileza, parte dois

Se tem algo que não canso de repetir, é como eu nos acho engraçados. Quando digo nós, digo da maneira mais genérica possível assim, nós, meliantes seres humanos desse mundão azul. Somos pedaços de carne que trupicam na calçada e se trancam fora do apartamento sem querer. Batem a cabeça na prateleira aérea e fecham o dedo no porta-malas do carro. Erramos diariamente, e me pergunto onde, e quando, realmente erramos. Fazemos essa idéia de que os extraterrestres são seres mega evoluídos a nos observar através de máquinas ultra sofisticadas porque, de alguma forma, sabemos que erramos, sabemos que ficamos para trás. Temos esse inconsciente de que se há algo além, esse algo com certeza não deixa o celular cair na vaso sanitário.
Quando observo meu gato emitir barulhos estranhíssimos e se jogar contra as paredes do corredor, me pergunto se foi eu quem errou ou se essa já era uma informação que contava na predisposição genética dele. Acredito, prefiro acreditar!, que já somos pré-programados para certas coisas. Porém, também somos extremamente maleáveis.
Esses tempos, trabalhei na monitoria de um festival de fotografia. Durante este festival, para uma oficina, seria necessário um aparelho de data-show. Fiquei sabendo disso uma hora antes da tal oficina acontecer. Beleza, fui conferir no local onde nos emprestaram uma sala se não poderiam nos emprestar um data-show também. Qual não foi a minha surpresa quando, ao questionar se haveria a disponibilidade, a moça que trabalha no estabelecimento gentilmente perdeu o controle de si. Disse que era uma irresponsabilidade, um descaso, um desacato, uma afronta, um horror, um abuso, um absurdo, e, por que não?, um crime hediondo eu estar requerindo aquilo àquela hora. Ele teria que ser solicitado com um mínimo de 24 horas de antecedência. Sem mais. Ouk, algumas dessas coisas eu inventei, mas é só porque não lembro ao certo o que ela disse e, também, porque curto ilustrar bem os causos com palavras.
Enfim, o fato foi que a mulher perdeu as estribeiras por muito pouco. Eu ali, no auge da minha boa vontade, ainda fazendo a digestão e também meio de cara por ter sido informada só naquele instante de que seria necessário um data-show, resolvi fazer o que faço de melhor. Fiz alôka. Ensaiei a melhor cara de "segura e amarra teu tchan aí" e discursei, com muita candura, sobre como ela estava certa, sobre como eu estava errada e sobre como, se disponível estivesse, eu poderia ter acesso ao data-show por apenas algumas horas, mostrando perfeito conhecimento das burocracias e regras que estaria violentamente burlando. Foi como se eu estivesse ofertando lírios originários dos mais suaves campos do hemisfério norte à ela. Mudou completamente de tom. Foi gentil, se desculpou, falou algo sobre não ter almoçado direito e me conseguiu o tal do artefato projetor de imagens.
Silvia 1 x 0 Vida.
Nessas horas, percebo como pode ser fácil contornar nossas predisposições. Nosso jeito atrapalhado de ser apenas delata a nosso favor. Temos mil defeitos, mas, ainda assim, vivemos muito bem, obrigada. Claro que sempre tem os loucos por essência, e não por esporte (como disse um amigo certa vez), mas essas fatalidades acontecem. A maioria das pessoas se faz, não faz de propósito, faz porque erra e errar é humano. Gentileza gera gentileza e estupidez gera treta, temos que saber elaborar bem nossas opções e a vida terá uma tendência maior à tranquilidade.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Coppola: u r doing it wrong.

Aviso aos navegantes que o post contém spoilers do último filme da Coppola. Segue o baile.
Semana passada recomeçaram as aulas na faculdade. Enquanto rumava à cadeira de Psicologia da Percepção, eis que tenho, nas escadas do segundo andar, uma aula prática de Psicologia da Percepção.
Há algumas semanas fui ao cinema com uma amiga assistir ao filme Somewhere. Nada de novo, chovia em Porto Alegre, mas a sala do Guion estava bastante cheia. Lá, encontramos nosso professor de algumas cadeiras de desenho na faculdade, que acabou assistindo ao filme conosco. Gosto muito dele, é um dos professores que realmente fez alguma diferença na minha vida, desses que acabamos levando como exemplo para sempre.
O filme trata basicamente sobre um astro de hollywood que vive entre álcool, cigarros, mulheres e despirocadas, até a chegada da filha de onze anos que vai passar uma temporada com ele. O filme, como todos os filmes da Coppola, não tem nada de muito clímax ou enredo elaborado, é sensibilidade e o não-dito que acabam nos prendendo. O marcante do filme são seu começo e seu fim: durante todo o filme ele está dirigindo uma ferrari. No começo, aparece ele dando voltas em círculos, como se estivesse desorientado. No final, ele anda em linha reta, com firmeza, até descer do carro e seguir o caminho à pé.
Ao sairmos do cinema, cumprimos o velho ritual do "eaí, o que cês acharam?". Meu professor fez um comentário que, na hora, pensei "nossa, mas que análise crítica da vivência do homem pós-moderno e sua coerência com o caos cotidiano e o cosmos e o paralelo 30 e talz". Ele avaliou que, ao sair da Ferrari, no fim, ele estaria acordando do sonho em que ele vivia. Eu entendi que o sonho ao que ele se referiu seria a vida de sonho que o cara levava, cheio da grana e das mulheres. Eu estava enganada.
Voltando ao dia em que eu teria aula de Psicologia da Percepção, enquanto subia as escadas com essa minha amiga que havia ido ao cinema comigo, nosso professor nos aborda. Ele estava conversando com outra pessoa, mas virou bruscamente ao nos ver, nos pegou pelos ombros e disse, abismado:
- Gurias, nossa! Eu estou ficando velho! Eu entendi completamente errado o filme! Eu vi outro filme aquele dia, não o mesmo que vocês!
- ... Oi? - dissemos, em uníssono.
- Sim, eu entendi que, na verdade, o cara era um fodido, ele não tinha dinheiro, nem nada. Que aquela ferrari era um sonho dele e, sempre que ele entrava nela, ele vivia aquele mundo de ilusões! Aí esses dias fui ler uma resenha do filme e entendi que, na verdade, o cara realmente dirigia uma ferrari, era rico e astro de Hollywood. Nossa, sério, o meu filme foi muito melhor do que o de vocês! Acho que vou ligar pra Coppola e dizer que ela fez tudo errado...
Eu ri alto. Sério, achei aquilo genial. Genial. Incrível como a percepção de cada um pode ser completamente diferente. Os três vimos o mesmíssimo filme, porém, com a "bagagem cultural" que cada um carrega, as interpretações podem ser várias. Tanto percepções com pequenas diferenças, como as que eu e minha amiga tivemos, quanto com enormes diferenças, como as que o meu professor teve. O ser humano é um bicho muito engraçado mesmo...

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Olhe aqui, Mr. Buster

Vinícius de Moraes

Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo
Que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills
Está muito certo que em seu apartamento de Park Avenue
O Sr. tenha um caco de friso do Partenon, e no quintal de sua casa em Hollywood,
Um poço de petróleo trabalhando de dia, para lhe dar dinheiro e, de noite, para lhe dar insônia
Está muito certo que em ambas as residências
O Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial
Por muitos anos a vir, e vacuum-cleaners com mais chupo
Que um beijo de Marilyn Monroe, e máquinas de lavar
Capazes de apagar a mancha de seu desgosto de ter posto tanto dinheiro em vão na guerra da Coréia
Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas
E suas portas se abram com célula fotoelétrica. Está muito certo
Que o Sr. tenha cinema em casa para os meninos verem filmes de mocinho
Isto sem falar nos quatro aparelhos de televisão e na fabulosa hi-fi
Com alto-falantes espalhados por todos os andares, inclusive nos banheiros
Está muito certo que a Sra. Buster seja citada uma vez por mês por Elsa Maxwell
E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles, para as duas "estações" do ano
Está tudo muito certo, Mr. Buster - o Sr. ainda acabará governador do seu estado
E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas
Mas me diga uma coisa, Mr. Buster
Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster:
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Solitária

Quando fiz 15 anos, ganhei um solitário lindo que era da minha avó. De ouro, com uma pedra maravilhosa. Acredito que ela o tenha ganho quando tinha essa idade também. Por coincidência, é exatamente do tamanho do meu dedo. Nunca o uso, com medo de perder. Hoje resolvi usar. Estava de jeans e havaianas, achei que daria o tom do high-low. Botei no dedo anelar da mão direita, já que o da mão esquerda possui cadeira cativa para o anel de coruja.
Estava na Renner, um pequeno caos se formava na fila. Quando chegou minha vez, uma efusiva e hiper maquiada mocinha me atendeu, oi, boa tarde! Qual a forma de pagamento?. Cartão Renner, como sempre, em 4 vezes sem o seguro. Não, não quero concorrer a 3 mil reais, obrigada. Foi no manuseio da carteira que ela percebeu o anel. Não sei se estava na TPM, se estava grávida, se havia casado há pouco, mas o anel mexeu com os sentimentos dela. Nossa, que lindo teu anel de noivado!. Hahahaha! Eu, noiva! Não disse nada, apenas ri por dentro. Agradeci, não ia ficar me explicando pra mocinha. Agradeci e emendei: É, bonito, né, meu noivo é muito romântico, sabe, ele sabe que eu adoro solitários, ia me dar algo mais convencional como um anel comum, mas preferiu escolher uma pedra para me agradar, ele me pediu em noivado há pouco, acho que vamos casar ainda na metade do ano, são tantos os preparativos, nossa!
Não tinha porque ficar dando explicação, né?

domingo, 9 de janeiro de 2011

TX II - Attack of the Silvia

Não pretendia continuar nesse assunto, mas aconteceu algo que vale a pena dividir. Como os taxistas citados aqui no post anterior não têm como se defender, farei a Escola Silvia de Auto-Trollagem e tornarei público o recente ocorrido.
Abre parêntesis.
Tem um quadrinho do Quino em que o Filipe se apaixona pela professora, por ela ser muito bonita. Ciumenta, Susanita diz que ele é um bobo, pois A GENTE SE DIVIDE EM LINDOS POR FORA, apontando para o ar, E LINDOS POR DENTRO!, apontando para si mesma. Acompanhando a cena, Miguelito acrescenta bueno, também existimos os lindos dupla-face. Isso me fez pensar bastante, existem os que são e existem os que aparentam ser. E existem os dois. Eu tenho um ar assim, meio de idiota, e cada vez comprovo mais ser uma idiota dupla-face.
Fecha parêntesis.
Eram 2h e pouco, um átimo de bom senso me fez sair da Fuck Rehab e ir pra casa, pois tinha que trabalhar no dia seguinte e o whisky com guaraná já flertava carinhosamente comigo. Peguei um táxi na frente do Porão mesmo, dei as coordenadas e abri a janela. Segue o diálogo:
- Pô, saíndo cedo da festa, hein!
- Pois é.
- Tá ruim?
- Não, tá ótima, mas eu tenho que trabalhar amanhã cedo.
- Ah, é? E tu trabalhas no que?
- Eu sou designer. E tu?
- ... Eu sou taxista.