terça-feira, 16 de junho de 2009

o estranho sentido que as coisas fazem

Chegamos ao ponto eqüidistante dos extremos de Junho e só agora pude me deleitar da linda edição da Vogue do mês. Linda, linda mesmo. Que capa, que Fontana, que alegria. É como qualquer identidade visual bem construída: de cara dá pra entender o que se quer comunicar graficamente. A capa condiz com toda a étnica e o rústico dos editoriais, maravilha de ler no quentinho das cobertas, com um chá na cabeceira. Aí lembrei da Vogue de Maio, e de como eu não fui com a cara da Vogue de Maio.

A Vogue de Maio é um caso à parte, merece qualquer parágrafo e qualquer discussão. Comentei que eu não tinha gostado da capa, obtive concordância, de segundos e terceiros também, a opinião geral do meu pequeno círculo pareceu a mesma. “Ah, não gostei muito”. Nessas de respostas sem maiores justificativas, consultei o Oráculo. Clarissa Pont limitou-se a dizer “é, pois é, a Isa também não gostou muito, mas eu... sabe, eu acho que a Vogue sempre tem um objetivo, um propósito, quando a gente não gosta é porque ainda não entendeu muito bem”. Maravilhosa, conselheira, mãe da eternidade, princesa da paz. E é verdade, aquela capa queria dizer algo, era gritante, só faltavam olhos perceptivos, mentes cognitivas, um tino sagaz.

Há um mês vinha eu, linda e loura (NOT), desfilando pela José de Alencar atrás de edição “maionina”, eis que me deparo com aquele exagero, aquele background monumental, aquelas pessoas passando ao fundo, aquela mulher numa posição colossal, uma capa carregada, movimento, expressão. “Meldels”, limitei-me. Meu namorado, do alto da sua ingenuidade, sorriu para a capa e disse “Olha, é no Morumbi”. Olhei de canto para ele com meu mau-humor que talvez só ele saiba lidar, no auge da minha expressão “Who cares?”, e odiei a capa baixinho.

Descascando a revista aos pouquinhos, depois da habitual olhada-geral-nas-figuras, fui percebendo o encaixe. A Carta comenta a inspiração Blade Runner do editorial principal, com a Michelle Alves fotografada pelo Steven Klein e o styling do Pedro Lourenço. A temática principal da edição de Maio nada mais era do que esse exagero mesmo, “silhueta justa, tachas, couro, muito preto”. Cintura marcada, ombros abusivos e texturas nos tecidos. Até o outro editorial do Pedro Lourenço, por mais elegante que seja, mantém essa linha com os drapeados, o amarrado, o torcido. A Vogue de Maio nada mais é do que expressionista. Pronto, agora sim, tudo parecia fazer sentido. O Morumbi gigantesco ao fundo, Michelle num ângulo violento e meio robotizada, o contraste entre a figura do primeiro plano com o fundo que se perde, o jogo de luz, tudo evocando a mais linda e sincera fúria, como talvez nenhum outro movimento de vanguarda artística evoque.

Linda e sincera fúria, fúria expressionista. Ah, Vogue, perdão... por um instante esqueci que certas coisas não se lêem, se compreendem.



quarta-feira, 10 de junho de 2009

espalhar os encosto e as maldade

Na boa, se antes de ilustrar o inferno Doré tivesse pego um 263 às 18:30h, ali pela altura da Azenha, numa tarde chuvosa (ou pior ainda, de sol) carregando uma pasta A3, ele talvez compreenderia melhor o teor retesado de Alighieri...
A pinta acorda cedo, vai lá, na mais santa boa vontade, trabalha a manhã inteira, agüenta as eventuais travinhas do CS3 e os clientes que têm opiniões demais. Mas ah, tudo bem, c'est la vie. Corre o horário de almoço inteiro pelo centro, na chuva, resolve perrengues, estraga o cabelo e molha a linda bota que não tinha culpa de nada. Enfim, vá lá, beleza. Chega atrasada à tarde para, além de elaborar layouts, elaborar desculpas esfarrapadas. Veja só, ó céus, ó vida. Mais clientes de péssimo tom, mais perrengues. O CorelDraw resolve travar junto. Que coisa, né, deixa pra lá, tudo bem. Último dia da pílula, aquela leve atucanação durante a trepada furiosa, mas ah, que coisa, acontece.
Agora meu, compreensão tem limites. Não dá pra pegar aquele ônibus, depois de um dia desses, e querer ser feliz. Não dá. Sério, eu vejo uma bala perdida atravessando meu crânio, o sangue vermelho respingando na pashmina creme, o horror ao redor, meus joelhos cedem, esvaio-me em pleno chão, com uma leve expressão de complitude... abro o olho e me dou conta de que ainda estou no Orfanatrófio 263 Centro-Bairro lotado, de pé, mil trutas, mil tretas, carregando mil coisas e sem um pingo de paciência.

Damn it.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Acostumbráu

Limpo o ranho com as mãos, de preguiça mesmo. Gripada ainda e, agora, a dor de ouvido e a dor de cabeça ao se abaixar (ou trepar por cima) vieram ver como eu ando. Mal, pero acostumbráu. No frio a gente diminui, as extremidades afinam e os anticorpos fragilizam. Tenho sentido o diminuto bater mais forte em mim. Nunca fui de emagrecer, nunca fui pequena. Na fila para cantar o hino na segunda série eu sempre era a última. Até no nome, "Silvia", sempre fui a última das chamadas. Mas, agora, a história começa a mudar um pouco. Tenho diminuído. Achava ter mais de um e oitenta, sempre afirmei, mas minha endócrino me disse um e setenta e oito. Ela também disse que a massa de gordura diminuiu, assim como o peso, e a água corporal aumentou. Veja só... Mas não é só assim que eu me sinto menor. Essa coisa de correr, de não ter tempo pra mais nada, nunca tive isso. Agora estou sempre com pressa, esbarro nos outros, pego táxi, vou direto nas estantes da biblioteca sem consultar nas máquinas antes por medo de perder algum livro em frações de segundo. Antes eu me sentia dona da faculdade, agora me sinto uma estranha. Só vou lá para cumprir o que se deve cumprir e vou embora, sem maiores sorrisos. Antes eu sentava na rua, fumava, fazia o social, ria alto. Agora meus intervalos são sucintos e as carterias são as mais perto do professor. Me sinto fraca e um pouco cega. Talvez já não tenha todos os amigos que eu achava que tinha, por falta de convivência. Já não me sinto mais tão bem na presença de quem costumava me entreter. Talvez a vida seja assim mesmo, esse difícil equilíbrio entre pessoas, labuta, conhecimento, uma eterna busca. Não sei quem é mais hostil, nem sei quem é culpado. Me aqueço com chá e com abraço, mas sigo diminuindo. Minhas resistências morais se abalam com esses graus celsius de baixos dígitos...

cento e oitenta segundos

Nada de novo, chove em Porto Alegre. Tô gripada e sonhei a noite toda com o CorelDraw, juro. Ultimamente tenho estado bem obsessiva com grids e linhas-guia. Acontece bastante de eu estar andando pelo cotidiano e ver algo não alinhado, seja uma janela, seja um banner, seleciono os ítens com os olhos, dou um "E" ou um "C" (ou ambos), aí CTRL+A, CTRL+G e um P, só de capricho. Suspiro aliviada. Olho em volta, se estou dentro do ônibus, tem sempre alguém me olhando estranho. Eu talvez faça os atalhos em um teclado imaginário, mas enfim, cada um com seus problemas.
Nesse clima chuvoso resolvi trazer o Charlie, o Chet, o Thelonious e o Louis para o trabalho, achei que eles iriam se divertir comigo e o Corel. Ia trazer o Nat junto, mas ter que fazer fachadas de farmácias ao som de "Looove is a many spleeendored thiing" é kind of annoying. Agora há pouco um computador parou de funcionar e CPUs passearam pela sala de criação, isso já é annoying o suficiente. Opa, peraí, acabou de rolar o questionamento "um minuto tem sessenta segundos, né?", vindo da secretária. We have a winner. Ainda bem que eu estou praticamente sem voz, mesmo prezando pela doutrina de "perco a convivência, mas não perco a piada".
Três minutos, me avisa o microondas da cozinha-inha. Chá pronto, jazz e uma hora e meia ainda de alterações em fachadas... story of my life.