terça-feira, 21 de julho de 2009

Gangue da Escadaria (do playground)

A agência onde eu trabalho fica relativamente perto da minha casa. Perto, a.k.a 4 quadras, acaba ficando "relativo" porque são 4 quadras verticais, moro no morro côs truta e quem pipocá c'agente leva azeitona. Então, é um trajeto que poderia ser feito em 6 minutos com meus um metro e poucos de perna, mas acaba levando uns vinte, ainda mais com esse meu pulmão de fumante e essa minha boa disposição de um cadeirante de 90 anos. Nesses vinte minutos de reflexão latitudinal muita coisa acontece, seja na subida, seja na descida. Na real, na descida, é só engatar um "uoou quase embolotei" e ser feliz, geralmente dá uma distância de uma música e meia no MP4. Músicas no MP4 são uma ótima medida de distância no meio urbano.

Dia desses, talvez há uns meses atrás, mas afinal, quem está contando, não é mesmo?, acordei com a brilhante idéia de usar a camisa de flanela do namorado como vestido e, já que estava frio, tascar uma meia-calça preta e algumas pérolas. Acho até que já falei disso aqui no blog, juntei com as melissas douradas com as meias pretas 7/8, e vergonha alheia à parte, era a época em que eu estava ouvindo direto "womanizer", ou seja, me joguei. Montei o outfit e fui pro trabalho. Como é de domínio público, Gisele Bündchen não teria chegado onde chegou se não fosse pelo caminhar. Fiz a Gisele. Só faço a Gisele quando estou sozinha caminhando pelo centro de óculos escuro, mas resolvi abrir uma exceção. Oito e freaking meia da manhã lá estava eu, de camisa e sapatilhas, descendo morro abaixo pisando em uma única linha imaginária, fazendo carão e tipos que womanizer, woman-womanizer, you're a womanizer, oh!, womanizer, oh-you're a womanizer baby, you, you-you aaare! you, you-you aaare, womanizer, womanizer, womanizer, woomaniizer (voz do Darth Vader nessa última). Cuándo, de repente, de trás de un árbol, se aparece el.

Olhei furtivamente para o chão pra ver se minhas passadas condiziam com a linha imaginária e, eis que surge então, a seguinte palavra, mal e porcamente rabiscada a giz no chão: "Idiota". Putz, cortou total o meu barato. Antes eu estava me sentindo o máximo ao som de Brit, agora eu era apenas uma menina vestida de lenhadora ouvindo some crap music. "Idiota". Ficou ali, me encarando. Brutality. K.O. Terrível. Fui triste, me arrastando até o trabalho.

Com o tempo, comecei a reparar: entre meu trabalho e minha casa há muito giz. Haviam linhas nas paredes que iam acompanhando durante alguns metros, haviam declarações, corações, nomes e eu particularmente tive uma certa dificuldade para decifrar alguns hieroglifos hititas, mas beleza. Não duravam muito tempo, questão de dois dias estavam apagados e, aí, surgiam mais. Eles sumiam, mas reapareciam - e traziam reforços! Me sentia numa história em quadrinhos com aquela quantidade de rabiscos ao meu redor. O "Idiota" deve ter durado três dias no chão - e eternidades na minha alma.

Uma vez eu ia subindo, o dia estava tranqüilo e sereno que nem baile de moreno, e avistei, ao longe, uma gangue descendo. Logo me apavorei, mas percebi que o que os diminuía não era o horizonte, mas sim, seus poucos dígitos de idade. Sou suspeita para falar, não sei diferenciar uma criança de 5 anos de uma de dez, mas imagino que aquelas ali deveriam ter em torno disso, a mais experiente deveria ter doze, no máximo. Eles vinham como verdadeiros hititas, com suas armaduras espalhando hieroglifos por aí. Gelei. Já tenho medo de criança, imagine só de um aglomerado delas, munidas de giz. Foi aí que as coisas fizeram sentido: só crianças mesmo para rabiscar besteiras com giz, só crianças mesmo para gastar um giz inteiro levando ele por metros contra uma parede, só crianças mesmo para escrever "fulano é imbessil". É, ou não, mas enfim.

Desfiz a Gisele porcausa de crianças. Parei com a Brit porcausa de crianças. Tirei o carão porcausa de crianças. Tá certo que ameaçadoras e re llenas de sulfato de cálcio hemihidratado, mas vá lá. A vida é dura. Por enquanto só estou sendo salva pela H1N1 e sua suspensão de aulas...