domingo, 31 de janeiro de 2010

Dama da Lotação

E mais uma da série: Se Esse Tipo de Coisa Não Acontece Só Comigo, Então Todos Deveríamos Estar Escrevendo um Blog Juntos. Vamos aos fatos. Eu moro onde eu moro há uns quatro ou cinco anos. Seis, sete talvez, não sei agora, mas enfim, quem está contando? Só sei que moro aqui há bastante tempo pra saber que só há quatro meios de chegar na minha casa: de carro/moto, o que não é uma opção pra mim; de ônibus, linha 195 - fé em deus, TV!; de lotação com ar condicionado que me larga na porta de casa, mas cobra abusivos três reais e trinta centavos e, por fim, esbaforir subindo de a pé os morro. O que é fácil para mim, que não fumo, não bebo, malho todos os dias e me alimento apenas de vegetais, fibras, vitaminas, proteínas e pequenos insetos. Not. Aliás, tirando a parte dos pequenos insetos, quando eu tinha uns seis anos ouvi falar que comer formiga fazia bem para os olhos e ráá, look at me now, quatro graus de miopia. Enfim, não que isso venha ao caso.

Quando estou desintegrando no sol ou quando já deveria estar no trampo há uns dez minutos, acabo pegando a lotação. Como faço isso há bastante tempo - me atrasar, no caso - eu pego bastante a lotação. Do mesmo jeito que a Melleu conhece bem os motoristas do 195/TV (in a naughty way), eu conheço bem os motoristas da lotação (in a Jordy cantando C'est dur dur d'être bébé, ooh la la bébé! way). Não apenas conheço, como crio apelidos para eles. Apenas internamente, é claro. Tem o porquinho, que é um meio gordinho, ruivinho, branquinho, com um narizinho meio chato, um baita querido. Parece o Baby, o Porquinho Atrapalhado na Cidade Grande. E é por isso que os apelidos são internos, senão nenhuma lotação pararia mais para mim. In fact, passaria por cima. Mas vá lá, tem o Porquinho, tem o Milico, tem o Barack, tem o Fiadasputagrossodocaralho, tem o que se parece com o Fiadasputagrossodocaralho, mas não é, tem o HowareYOUdoing?Roar, enfim, tem vários. E foi certa vez, com o Barack, que algo de muito estranho aconteceu.

Lá estava eu, carregando mil cacarecos, como sempre, ao invés de usar uma prática mochila, acenando para a lotação. Ela parou e já estava relativamente cheia. Barack fez seu sorriso "yes, we can" e disse "ó, bom dia". Sentei no primeiro banco que eu vi, joguei minhas coisas no banco vazio ao meu lado e fui contar minhas moedinhas. Abri a carteira e me dei conta de que eu não tinha fechado o compartimento de moedinhas na última vez que a manuseei. Too late. Fuuuuuuuuu!, esbravejei. Níquels por todos os lados. Lembro de um senhor, na minha diagonal, me olhar estranho. Bem estranho. Mas enfim, catei as moedinhas, enfiei tudo para dentro da bolsa, enterrei os headphones na cabeça, já que meus fones comuns estragaram, e segui viagem. Menino Deus, Cidade Baixa, Centro. Fui a última a levantar ao ancorarmos no centro, pois a sacoleira aqui ainda estava se pendurando os pertences. Cheguei para o Barack com uma nota de cinco mesmo e ele, com seu eterno ar de "yes, american citizens, we can!" me disse "a tua já foi paga". Ensaiei a mesma cara que eu faria caso chegasse em casa e minha mãe dissesse "ei, galera, fiz lesmas com merda de cavalo al dente para o almoço! :D" e me limitei a um "Quê?". "A tua passagem foi paga, tu não sabia?" "Não...?" "Um senhor pagou, até apontou para ti quando veio pagar, achei que tu soubesse".

Desci da lotação. Weird, pensei. Al Yankovic, completei. Tentei recapitular as fisionomias dos demais passageiros da lotação, mas não conseguia. Eu já estava putadacara com o episódio das moedinhas e com vergonha pelo "Fuuuuuu" que só prestei atenção no trajeto M. Deus - C. Baixa - Centro mesmo. Barack mencionou um "senhor", e houve aquele senhor que me olhou estranho. É a alternativa mais provável. Sempre quis ter um velho rico que me bancasse. Ou que ao menos bancasse minhas andanças de lotação, já estaria valendo. Fico imaginando se alguém se levantasse, fosse até o cobrador e apontasse para mim enquanto eu estivesse olhando. Arrancaria os headphones na hora e gritaria algo como "é uma pistola de água! eu juro". Ou qualquer outra coisa que não fizesse sentido para depois poder falar "haha, não? ninguém?". Tenho vergonha de perguntar para o Barack se ele lembra quem foi, e se ele me indicaria caso visse novamente. Tenho medo que ele diga algo como "No, south-american citizen, we can't".

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O tempo e o vento. E os anões de jardim.

No caminho entre a minha casa e a casa do meu namorado, há um prédio. Aliás, há vários prédios, mas esse se destaca. O caminho entre a minha casa e a casa do meu namorado é relativamente comprido, não sei quantos quilômetros, mas sei que dá R$11 de táxi - que é como eu sei medir algumas distâncias. Sei também medir em minutos no ônibus, incluíndo o tempo médio de espera. Gosto de me locomover, enfim. É um prédio que se destaca dos demais. Não é tão alto, nem tão baixo, ou largo, ou fino. Diria que é um prédio mediano. Porém, com uma peculiaridade. Ímpar, acrescentaria.
Uma Branca de Neve cercada de sete anões é, infelizmente, comum em jardins. Agora uma Branca de Neve cercada de sete anões que se locomovem semanalmente, quiçá diariamente, não é comum. Sempre que passo por lá, eles estão dispostos de uma maneira diferente. Um dia, foi o enterro da Branca de Neve: a escultura com sua tinta já desgastada estava deitada no chão, nos permitindo ver sua base de cor-de-barro, enquanto os sete anões estavam dispostos ao redor do corpo jazido. Apesar de sorriso nos rostos - menos o Zangado - eles pareciam tristes devido à encenação toda. Outrora, os anões pareciam seguir a Branca de Neve, que os guiava pelo jardim de entrada do prédio. Houve a vez também em que eles estavam todos de costas para a rua, ou ainda, a vez em que um anão estava estrategicamente posicionado atrás da princesa, e os outros espalhados ao redor, como se apenas a altura da Branca de Neve impedisse o estupro em via pública.
Agora eu me pergunto: quem diabos faz isso? Neste distinto prédio mora uma pinta que se presta a acordar todos os dias pensando "em qual posição pô-los-ei hoje?", com mesóclise e tudo. Fora o peso que aquelas esculturas não devem ter, imagine só, ficar trocando de lugar sete freaking anões de jardim, mais a Branca, que deve pesar o dobro. Eu levo a minha vida e mais uma jornada de seis horas de trabalho por dia (isso que eu estou de férias! em período normal, mais algumas horas de faculdade) sabendo que há alguém nesse mundo com tempo para locomover anões. Dá pra acreditar nisso? É uma força de vontade, uma força física e uma criatividade, todas canalizadas em mover a Branca de Neve e os sete anões por um pátio de poucos metros por poucos metros, nada que passe dos dois dígitos. O que os outros moradores não devem pensar disso? Ou será que há reuniões de condomínio para discutir quais serão as próximas peripécias da princesa e seus homenzinhos de barba e baixa estatura?
Há de chegar - há de chegar! - o dia em que eu estarei passando por ali e pegarei a pinta no flagra. Páro o táxi, se for o caso. Há de chegar...