domingo, 5 de setembro de 2010

O Pecado (e os sapos) Mora ao Lado

Estava há tempos para escrever sobre, mas só agora resolvi sentar e compor a narrativa devido a uma "sinfonia motivacional", e não há nada de metafórico nisso. Senta que lá vem a história.
O prédio onde moro é pequeno, poucos apartamentos. Estamos cercados de casas, o que faz com que todos os nossos vizinhos dos arredores sejam, hã, bem, casas. De um lado do prédio, há uma casa cujo a fachada é um castelo, com direito a pé direito alto e "torrezinhas" nas laterais. Nos fundos, poodles, piscina térmica e janelas sempre fechadas, como se ninguém morasse full time ali. Há rumores envolvendo rancores familiares e suicídio. Esses são os vizinhos normais. Do outro lado do prédio, os meus favoritos: O Casal de Uruguaios. Sim, merecem capitulares.
Não há ainda confirmação de que o Casal de Uruguaios seja, de fato, uruguaio, mas aqui em casa criamos a teoria com base no sotaque. O Casal ouve, e canta, muito Buena Vista Social Club e Manu Chao, o que não nos ajuda nas referências, mas enfim. Ambos devem ter em torno de, no mínimo, 50 anos. Têm cachorros no pátio e uma bela casinha nessa pacata rua. Quase nada do que os vi fazendo nesses 7 anos morando aqui seria considerado "normal". Mas também, quem sou eu para dizer alguma coisa.
Logo que nos mudamos, ouvíamos-os discutindo em espanhol, mas como nossos vizinhos de porta são melhores em termos de brigas (certa vez, quebraram um quadro aqui de casa só com um fechar brusco de porta. porta deles. quadro aqui de casa. reflitam.), não dávamos muita bola. Começamos a notá-los mais quando, já há alguns anos, resolveram transformar sua piscina em uma espécie de lago artificial. Plantas de vários tipos boiando, sapos coachando, musgo nas beiras, tenho a impressão de já ter visto carpas laranjas em meio a água turva e uma nuvem de mosquitos da dengue fazendo uma pool party. E, claro, eles freaking nadando naquilo.
Acredito que sejam artistas plásticos, com ênfase em fazer vitrais. Me explico: no pátio da frente dá para ver, entre as trepadeiras do portão, um anjo de vidro com umas esculturas ao redor. No pátio dos fundos, onde tem a piscina, mais esculturas de vidro e, bem aos fundos, uma espécie de atelier. A parte de trás do atelier é toda envidraçada e dá vista direta para o meu quarto. Ambos no mesmo andar, bem próximos, e na diagonal. Nem a minha janela, muito menos a deles, é pequena, o que dá um tom de privacidade zero para a brincadeira. Atelier, esculturas de vidro e piscinão de Ramos? Artistas plásticos, com ênfase em fazer vitrais.
Nessas de ter a piscina e várias plantas e coisa e talz, eles passam boa parte do tempo no jardim, dando uma nadadinha, trocando palavras em espanhol, fazendo obras que envolvam vidro e regando plantas. Pelados. Foi bem engraçada a reação horrorizada da moça que trabalha aqui em casa, durante seu primeiro dia. "Dona L.! Dona L.! Os vizinhos! Tão pelados no pátio!". Ela evitou a área de serviço, que dá vista para o pátio deles, o quanto pôde. Nossa reação inicial também não foi muito receptiva, mas agora tá tudo tranquilo, tudo em casa. Isso é o de menos.
Não é sempre que estão no Atelier, e também não é sempre que estou no meu quarto, principalmente durante o dia. Nessa linha de raciocínio, um dia vim em casa no horário de almoço e eles transavam loucamente na frente da janela do atelier. Rapidamente saí do quarto, parecia até que era na minha cama. A história ainda se repetiu algumas vezes, hoje em dia até abano e faço um "joinha". Já os encontramos em um restaurante vegetariano, e minha mãe não os reconheceu; cumprimentou de volta com estranheza, retornou a nossa mesa e, após eu dizer que eram os vizinhos, limitou-se a "ah, é! não reconheci vestidos".
Agora, em meados de primavera, os dias vão ficando mais coloridos e quentes, as janelas ficam mais abertas e o clima parece mais receptivo. O Casal de Uruguaios costuma fazer luais em volta da piscina, com violão, parentes e/ou amigos que os visitam. As rãs, as pererecas e os sapos fazem sinfonias até de madrugada em algumas noites, principalmente nas que antecedem chuva, tirando meu sono e me dando vontade de escrever. Os Uruguaios cantam seu Buena Vista Social Club e seu Manu Chao em um tom alcoólicamente bonito. No fundo, a verdade é que eu os invejo. A verdade é que eu quero envelhecer assim também.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

uma certa angústia

aqueles quentes finais de dia em garopaba, jogando taco no quintal da casa do miguel. aquela semana vertiginosa em buenos aires, em um começo de semestre qualquer, conhecendo exatamente quem eu mais queria conhecer. aqueles pedalinhos da beira do guaíba, para rir e pedalar a orla toda. aquelas noites no atelier, sem ainda muitas perspectivas, mas com muita vontade. as manhãs na rua torta da santa terezinha, quando a vida era mais tranquila e os amigos antigos, mais presentes. aquelas tardes gostosas no siriu, onde os mosquitos não perdoam, o bandolim chora e o tempo não passa. os momentos ímpares de santiago, a cidade dos contrastes. os poucos anos em brasília, que pouco recordo mas muito sinto. respirar o ar e amanhecer no bom fim, fosse com quem fosse. as caminhadas intermináveis com os guris, entre as praias secretas dos bicuíras. a ciclovia do marinha, que guarda apenas para si tudo o que aconteceu lá. o cais do porto, que também é cúmplice. aqueles dias em curitiba, onde já não distinguia mais o final de um e o começo de outro, onde tudo era perfeito e embalado apenas pelo momento. aquele menino que conheci no último dia do evento. a bienal dentro dos containers. as tardes de dúvidas, descobertas e filmes experimentais, com as pessoas certas, fosse no bar do alberto, fosse no nosso bar. aquele almoço na praça da alfândega, com bigode e taça de champagne. a fumaça do cigarro que parece ter uma silhueta especial quando tragada no odeon. os dias bagunçados de xangrilá, varando madrugadas em tubos de concreto. o dia onde, logo pela manhã, tudo perdeu sua importância e o caminho da rotina foi desviado para a rodoviária, por puro impulso, saudades e amor. o trampo no décimo oitavo andar do centro, com um ponto de vista distante, distante. os primeiros meses após a compra do apartamento na henrique dias. aqueles dias, naquele momento muito especial, quando deixamos de ser irmãs para virarmos amigas, rindo na praça cagancha. aquela noite, depois do teatro, sentados no monumento da praça marechal deodoro. as conversas das tardes de redenção, com infinitas companhias, mas sempre com mate. a vida parece ir se compondo aos poucos, da maneira que dá.