domingo, 6 de novembro de 2011

é pau, é pedra

Acho engraçada a forma com que, hoje em dia, falam de bullying como se fosse uma novidade, um problema contemporâneo. Bullying existe, mais precisamente, há uma caralhada de tempo. A diferença é que, agora, ganhou uma expressão em inglês para defini-lo. A fim de comprovar a longa existência de tais atos de violência, dividirei com o grande grupo minha experiência de bullying no colégio.
Acredito que tenha sido ali pela 2ª ou 3ª série quando A descobri. A assim mesmo, em maiúsculo. Ela era linda. Toda excepcional e singular. Minha pedra. Não era exatamente uma pedra, era um concreto em formato meia lua de uns 20cm de diâmetro, todo cravejado de pequenas pedrinhas. TIPO, SABE? Era muito especial. Encontrei-a apoiando a escadinha capenga de madeira que as tias da limpeza usavam para acessar o banheiro feminino pelos fundos. Decidi adotá-la. Levei uma escovinha no dia seguinte e a dei um banho de mangueira, esfregando com cuidado seus mínimos detalhes. Todos os dias ia visitá-la para brincarmos, sempre percebia um detalhe novo na sua superfície, passei até a dar banhos semanais. Até que um dia, meu segredo foi descoberto.
A criança gordinha com nome de tia - que tipo de criança se chama Silvia? -, dona de uma pedra de estimação. Ouk, eu estava praticamente implorando por bullying, mas os acontecimentos que sucederam foram demasiadamente cruéis...
Um dia, Juliana, criança descolada e de nome moderno, me seguiu no recreio e descobriu a minha pedra. Riu pra caramba da minha cara e disse que sumiria com ela. Disse que contaria para a professora e tirariam a pedra dali. Fiquei imaginando minha pedra sozinha, com fome, frio e sem tomar o banho semanal. Me bateu um desespero. Fiz de tudo para que a Juliana não desse um jeito de sumir com a minha pedra, em vão. Decidi, então, escondê-la. Primeiro coloquei-a dentro do escaninho das tias da limpeza. Elas ficaram putas comigo, não era algo exatamente leve para se botar por cima dos produtos de limpeza. Depois, apelei para pontos estratégicos do pátio, sempre sob as mesmas ameaças de delatação. Até que, então, a pedra sumiu.
Nunca soube o que aconteceu, se foi alguém da manutenção que a encontrou no pátio e resolveu removê-la para que não tropeçassem nela ou se foi a professora que, ao saber da história toda, julgou mais salutar sumir com a pedra mesmo. Não sei, só sei que fiquei muito triste. A Juliana ainda comemorou, teve os colhões de rasgar uma folha, dizer que a folha era eu e jogar os pedacinhos em mim. Chuif.
Frequentemente lembro da minha pedra com carinho. Tenho certeza que ela foi peça fundamental no meu desenvolvimento, me ensinando compreensão, responsabilidade e proteção com o menos favorecido. Eu e a Juliana, eventualmente e por ironia do destino, nos tornamos melhores amigas. Brincamos muito de barbie e outros brinquedos considerados normais. Meu único desejo, hoje em dia, é que nenhuma tia da limpeza tenha caído da escadinha.


* N.E.: Tentei reproduzir sua fisionomia no paint. Não ficou uma representação exatamente fiel, mas creio que dê para ter uma idéia da coisa e talz...