sexta-feira, 14 de agosto de 2009

HJ

Trabalho de frente para uma janela. Na verdade, trabalho de frente para um computador, mas, atrás dele, há uma janela, dessas bem grandes. Mera questão de posicionamento, mas enfim. Nessa janela, vejo várias janelinhas. Dependendo da posição, dá para ver vinte janelinhas e três basculantes. Dependendo da minha posição e da posição do CPU da outra mesa que tapa parte do cenário, mera questão de campo de visão, mas enfim. Há pouco passaram uns três dias com guindastes ali, limpando o prédio com jatos de água, aí me dei conta de que ele não era tão sujo assim, parte da sujeira é da nossa janela aqui. Mas com a brancura do prédio, eu me dei conta de uma coisa. Ele é uma história em quadrinhos. Com a diferença de que não é uma história em quadrinhos seqüencial, mas sim, cada quadrinho é uma história, sem fim previsto.

É bacana ver a vida passar, só não sei se é bacana ver a vida alheia passar. Talvez seja meio triste, mas fazemos isso tanto, seja na frente da televisão, seja na frente de janelas... Nas basculantes, geralmente nada acontece. As pessoas devem tomar banho atrás delas, então, supostamente, devem ser as janelas mais interessantes, porém nunca são abertas. Nas outras vinte janelas que cabem no meu campo, pessoas passam, penduram roupas, fumam, se apoiam e admiram o nada por um certo tempo. Aí elas voltam, recolhem roupas, jogam bitucas, se desapóiam e deixam de admirar o nada por um certo tempo. E o ciclo se repete. A vida é tão cíclica. Sempre voltamos a fazer as coisas, talvez em ordens diferentes, o que não deixa o cíclico linear, mas sempre voltamos. Coisas novas são acrescentadas, às vezes, e coisas velhas são excluídas. O que não impede o ciclo de continuar.

Eles não nos vêem. Meu sub-chefe disse que, há um tempo já, eles colocaram insufilm. Acho sem graça, me sinto um quadrinho nulo. Parece que nada acontece aqui dentro, já que somos um quadrinho preto, um quadrinho sem fusíveis, um quadrinho "BAM POW SOC", onde nada acontece, a não ser fumaça. Aí lembro daquele quadrinho do Mutarelli "essa casa é tão grande, e só aocntece o que eu faço". Nas janelinhas, só acontece o que as pintas fazem, se elas não estão em casa, o quadrinho pára. Algumas passam o dia sem fazer história, talvez estejam fazendo histórias em outros cubículos, como eu estou fazendo aqui, agora. Alguns têm cortinas, outros não. Ninguém nunca faz nada de espetacular. Seria bacana ver um assassinato por de trás do anonimato do insufilm, ou um casal trepando furiosamente, sob o voyeurismo do insufilm. Mas nada de muito espetacular acontece. As pessoas passam, penduram roupas, fumam, se apoiam e admiram o nada por um certo tempo. Aí elas voltam.

Nos dias de chuva o dia fica escuro, e a única coisa que eu vejo na janela é uma figura com ar de desânimo, que me olha de volta e assim ficamos, tristes, olhando uma para a outra. A parte de trás do insufilm reflete bastante. A vida não passa muito de uma história em quadrinhos mesmo. Somos nossos próprios personagens e temos nossos próprios coadjuvantes. Se erramos, passamos por cima. Alguns rabiscam mais, alguns são mais noir, alguns têm traços mais limpos, uns são coloridos, outros são PB, e a vida continua. Cada um no seu quadrinho, cada um com a sua janela.