sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ensaio sobre a cegueira, sobre o incerto e sobre os sushis

Três considerações iniciais, sendo a primeira explicativa das duas seguintes e, a soma das três, introdutivas ao post em si. Segue o baile.
1. Melleu, minha amiga que, segundo minha irmã, não é uma pessoa, mas sim um "happening", certa vez, telefonou para a Muralha da China e solicitou dois rolinhos primavera e quinze sushis de OMELETE. Eu olhei pra ela "quinze sushis de omelete?!", e ela "calma, amiga. vai fazer sentido" - e seguiu o pedido. E, realmente, a composição com os outros ítens chineses alimentícios fez sentido. Melleu, assim como eu e o Torquato Neto, desafinamos o coro dos contentes.
2.1. Júlia é outra amiga minha, mas essa de mais longa data. Júlia é perspicaz, uma guria linda, esforçada e dificílima de irritar. Talvez ela me leve de volta às origens, talvez ela passe uma certa proteção, a que tínhamos quando menores. Não sei, mas calma, amiga. Vai fazer sentido.
2.2. Sou míope. Agora talvez tenha aumentado, mas tenho quatro e pouco em cada olho, e uma pitadinha de astigmatismo. Sou bem míope. Completamente míope. Talvez não tanto assim, para quem é mais míope do que eu, sou mera amadora; mas, para quem tem olhos de lince... olhos de lince? Bem, vai se tratar, porque isso com certeza não é normal.

Sonhei que estava na beira do mar, comendo sagu em uma pequena 'cumbuca', e Júlia estava comigo. Estávamos rindo e enchendo a cara de sagu quando, de repente, veio uma onda. Mas assim, tsunami na velocidade cinco do créu. Estávamos deitadas, de bruços, nem tínhamos muito como reagir, porém, algo incrível aconteceu. A onda veio, foi, aí veio de novo, foi, repuxo, onda, e tudo isso por cima de nós, era como se fosse um cobertor, era como se a água fosse maleável, porém sólida. Ela ia e voltava, às vezes víamos o céu claro, entravam raios de sol por entre as ondas, aí escurecia e clareava novamente. Nós ali, vendo aquilo acontecer e comendo sagu, era incrível. E nem molhadas estávamos, a água não nos empurrava, apenas curtíamos o sagu e a maravilha que estava acontecendo.

Foi quando me dei conta de que, na primeira enxurrada de água, meu óculos tinha sumido. Talvez ele não seja imune à água como eu, pensei. Estranho. Eu o via, um borrão a uns dois metros de distância. Começou a me bater um desespero, pois eu não conseguia alcançá-lo; quando ia pegar, a água o mudava de posição. Não enxergar com nitidez é péssimo. Aliás, reformulo: não enxergar com nitidez é ótimo. Geralmente, quando estou pintando ou desenhando, tiro os óculos, pois dá um ar impressionista para as coisas, mas aí é só colocá-los de novo. Agora ficar sem os óculos e sem a opção de tê-los novamente, aí sim, é péssimo.

Júlia me olhou e disse "Silvia, calma". Eu olhei para ela e ela estava nítida. Foi estranho. De repente, tudo estava nítido, e eu estava sem óculos. Podia até vê-lo, ali, longe, e enxergava cada detalhe. Era como se ali, no milagre das águas e dos sagus, houvesse ocorrido o milagre da cegueta. Um lance meio Locke na ilha de Lost assim. Aí, ainda no sonho, me bateu a dúvida: teria sido o meio, ou teria sido a Júlia? Ela seguia comendo sagu, tranqüilamente, deitada e sorrindo, como fazíamos quando crianças, sem nenhuma preocupação, sem nenhuma tensão nos músculos das costas. Éramos tranqüilas, com uma infância feliz. Aliás, era assim com todos os meus amigos na época. Éramos felizes e calmos, os problemas eram pequenos e de fácil resolução. Eu entrei em desespero por alguns instantes e logo Júlia, que talvez estivesse ali como uma representação do meu passado seguro e quentinho, disse "calma", e tudo se resolveu. Se eu não poderia acessar os óculos, eu simplesmente não teria mais miopia. Simples.

Talvez seja isso, uma saudades do tempo em que a vida era mais fácil. Não que ela seja muito difícil agora, mas os problemas tomam novas proporções. Mesmo assim, temos essas pessoas e esses elementos nas nossas vidas, que vão sempre nos recordar de que a "maré alta" vai passar, e, mesmo debaixo dela, podemos tentar resolver as tretas com facilidade. É um porto seguro, é uma certeza, por mais incerta que pareça, de que as coisas vão e voltam, acontecem e passam, e nós estamos ali, segurando firme. Seja a situação, seja uns aos outros. Os sonhos, as idéias, os problemas e tudo mais o que vier a acontecer, assim como os quinze sushis de omelete, uma hora ou outra, farão sentido.