sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

era, e é, uma vez...


Nessas de mudança, tenho revirado muitas revistas, livros, todo o passado impresso. Até minha certidão de nascimento encontrei - e descobri que meus pais só foram me registrar um mês e seis dias depois, mas enfim. Selecionei alguns livros que eu queria manter e alguns para doar, dentre os mantidos, estava uma publicação lindíssima da Cia. das Letras, Fábulas de Esopo. É um livro incrível com várias histórias e ilustrações antigas. Desconfio que tenha sido a TPM falando mais alto, mas a vontade foi a de guardar o livro e futuramente lê-lo para os meus filhos, antes de dormir. Visualizei toda uma cena onde uma linda criança, envolta em lençóis egípcios, adormecia em doces sonhos enquanto eu, abrindo randomicamente o livro, lhe contava histórias. Risos.
Como em meio ao meu vislumbre eu realmente tinha dado uma folheada randômica, resolvi ler uma fábula, intitulada "A Cigarra e as Formigas". Hm, um clássico!, pensei. Em uma página muito limpa, as serifas indicavam o caminho:

A Cigarra e as Formigas

Num belo dia de inverno as formigas estavam tendo o maior trabalho para secar suas reservas de trigo. Depois de uma chuvarada, os grãos tinham ficado completamente molhados. De repente aparece uma cigarra:
- Por favor, formiguinhas, me dêem um pouco de trigo! Estou com uma fome danada, acho que vou morrer.
As formigas pararam de trabalhar, coisa que era contra os princípios delas, e perguntaram:
- Mas por quê? O que você fez durante o verão? Por acaso não se lembrou de guardar comida para o inverno?
- Para falar a verdade, não tive tempo - respondeu a cigarra - Passei o verão cantando!
- Bom... Se você passou o verão cantando, que tal passar o inverno dançando? - disseram as formigas, e voltaram para o trabalho dando risada.

Moral: Os preguiçosos colhem o que merecem.

Véi. Tipo. Cada vez que alguém lê essa história, um unicórnio morre, tá ligado? A cigarra estava prestes a morrer de fome e as formigas, não satisfeitas em não oferecerem um bucadinho pequenininho de trigo, ainda deram uma zuada legal nela. O bicho dizendo que ia morrer de fome - no frio!, importante frisar - e as formigas fazendo piada, rindo e ignorando o problema. Fome, frio, desespero, solidão - risadas. É MUITO CRUEL. Como alguém pode achar que isso é algo que se ensine? Cadê o altruísmo, a filantropia? Se o interesse for o de criar um exército de crianças sem alma, aí beleza, mas sabe?
Minha mãe comentou que, na sua época, já não se lia muito tais fábulas, mas que os pais e os avós dela foram criados assim. Não é à toa que a maioria dos nossos avós são meio reaça. O meu, por exemplo, acha que a profissão que escolhi, design gráfico, não é "trabalho de gente de verdade", sem contar que ele jamais aceitaria um negro na família. Esses preconceitos se diluem com o passar do tempo e das gerações, por mais que ainda existam, acredito que o futuro só tende a ser mais livre, mais compreensivo, mais igualitário. Julgo muito melhor ensinar o valor da solidariedade humana para a geração futura do que os preguiçosos colhem o que merecem, sucker!